É de fundamental importância diferenciar fortemente o Transtorno Parafílico da simples Parafilia.  A Psiquiatria Forense se interessa, predominantemente, pela forma grave da Parafilia, que é oTranstorno Parafílico Severo.

Parafilia é um termo empregado para transtornos na esfera sexual e anteriormente referidos como “perversões”, termo ainda usado no meio jurídico. Estudar as Parafilias antes era conhecer as variantes do erotismo em suas diversas formas de estimulação e expressão comportamental. Hoje, a partir do DSM-5, o termo Parafilia deve ser reservado para as variações mórbidas da sexualidade, ou seja, variações capazes de causar sofrimento e não deve se referir apenas à sexualidade atípica.

Essa visão está absolutamente concordante ao critério de Diagnóstico em Psiquiatria (no capítulo Psicopatologia) de um modo geral, sistematizados por nós há muitos anos. Por esse raciocínio seriam valorizados dois critérios: estatístico e valorativo. Dentro de nosso critério estatístico estariam os casos de sexualidade atípica, porém, não necessariamente doenças. Para tal, além de atípica, a sexualidade deveria causar sofrimento (ser mórbida), ou seja, satisfazer um segundo critério; o critério valorativo – causador de sofrimento.

É difícil conceituar a sexualidade normal (veja artigo O Normal em Sexualidade no tema Sexualidade), a ponto de o médico inglês Havelock Ellis ter dito: “todas as pessoas não são como você, nem como seus amigos e vizinhos, inclusive, seus amigos e vizinhos podem não ser tão semelhantes a você como você supõe.”

Estudar a sexologia implica estudar os seres humanos como indivíduos sexualizados, portadores de um caráter sexual de homens, mulheres e ambíguos, incluindo a abordagem dos sentimentos sexuais harmônicos ou desarmônicos, das condutas e fantasias sexuais, bem como das dificuldades e resoluções dos problemas sexuais. Na parte onde a sexologia aborda o estudo das variáveis sexuais ou das condutas variantes capazes de causar sofrimento. Havendo sofrimento já se fala em Transtorno Parafílico e não simplesmente Parafilia.

A Parafilia, pela própria etimologia da palavra, diz respeito a “para” de paralelo, ao lado de, e “filia”, de amor a, apego a. Portanto, para estabelecer-se uma Parafilia, está implícito o reconhecimento daquilo que é convencional (estatisticamente normal) para, em seguida, detectar-se o que estaria “ao lado” desse convencional.

Culturalmente determina-se o sexo convencional como sendo heterossexual, coital, com finalidade prazerosa e/ou procriativa, momentaneamente monogâmico. O termo atrelado às condições sexuais supracitadas é “convencional“, evitando-se o termo “normal”, devido ao fato das pessoas confundirem (erroneamente) o “não-normal” com o “patológico”. Lembre-se sempre que em não havendo morbidade ou sofrimento, o não-normal não deve sser considerado doença.

A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) não fala em Parafilias, mas sim Transtornos Parafílicos em um capítulo e Disfunções Sexuais em outro capítulo. Este manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) preconiza a distinção entre um comportamento sexual apenas atípico e um comportamento sexual atípico decorrente de algum transtorno, sendo este último o único que carece de tratamento especializado.

Apesar de sutis e passíveis de críticas, as mudanças apresentadas pelo novo DSM são fundamentais, uma vez que tornam possível ao indivíduo praticar um comportamento sexual atípico consensual sem ser considerado portador de um transtorno mental.

Trata-se, o Transtorno Parafílico, de uma sexualidade caracterizada por impulsos sexuais intensos e recorrentes, por fantasias e/ou comportamentos não convencionais e de caráter compulsivo, capazes de criar alterações desfavoráveis na vida familiar, ocupacional e social da pessoa. Na CID.10 o Transtorno Parafílico é uma perturbação sexual qualitativa referida como Transtornos da Preferência Sexual, o que não deixa de ser verdadeiro.

A sexualidade atípica é quando há necessidade de se substituir a atitude sexual convencional por qualquer outro tipo de expressão sexual, sendo este substitutivo a preferida ou única maneira da pessoa conseguir excitar-se. Mas configura-se Parafilia quando existe uma atividade sexual onde os meios se transformam em fins, e de maneira repetitiva, configurando um padrão de conduta rígido o qual, na maioria das vezes, acaba por se transformar numa compulsão opressiva capaz de causar sofrimento e impedir outras alternativas sexuais.

Algumas Parafilias incluem possibilidades de prazer com objetos, com o sofrimento e/ou humilhação de si próprio ou do parceiro(a), com o assédio à pessoas pre-púberes ou inadequadas à proposta sexual. Estas fantasias ou estímulos específicos, entre outros, seriam pré-requisitos indispensáveis para a excitação e o orgasmo.

Em graus menores, às vezes, a imaginação fantasiosa do parafílico encontra solidariedade com o(a) parceiro(a) na iniciativa, por exemplo, de transvestir-se de sexo oposto ou de algum outro personagem para conseguir o prazer necessário ao orgasmo.

Quanto ao grau, a Parafilia pode ser leve, quando se expressa ocasionalmente, moderada, quando a conduta é mais freqüentemente manifestada e severa, quando chega a níveis de compulsão.

Parafilias e Transtornos Mentais
A 10a edição da Classificação Internacional de Doenças – CID-10 – em sua seção sobre Transtornos Mentais e Comportamentais classifica as Parafilias como “transtornos da preferência sexual”, dentro dos “transtornos da personalidade e do comportamento do adulto”.

Por outro lado, a 4a edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) localiza as Parafilias em “transtornos sexuais e da identidade e de gênero”. Ambas as classificações incluem a mesma lista de Parafilias (exibicionismo, voyeurismo, fetichismo, pedofilia, masoquismo sexual, sadismo sexual, transvestismo fetichista). O diagnóstico de Parafilia naquela classificação já exigia que os sintomas estivessem presentes por pelo menos seis meses e, como foi ressaltado, que causassem sofrimento pessoal clinicamente importante ou prejudicassem o funcionamento social.

Para o diagnóstico do Transtorno Parafílico, o DSM-5 requer que a pessoa com interesses sexuais atípicos:

  • sinta angústia pessoal sobre o seu interesse sexual, não apenas sofrimento resultante da desaprovação da sociedade, ou;
  • tenha desejo ou comportamento sexual que envolva o sofrimento psicológico, lesões ou morte de outra(s) pessoa(s), ou prática sexual que envolva pessoas que não queiram ou que sejam incapazes de dar o seu consentimento.

É importante realçar que: havendo aspecto mórbido, com sofrimento de quaisquer partes envolvidas, deveremos nominar de Transtoro Parafílico. Havendo apenas uma não normalidade estatística (numérica) sexual, porém, sem sofrimento de nenhuma das partes (egosintônico), sera simplesmente Parafilia, sem a palavra transtorno.

Transtorno Parafílico Severo
É de fundamental importância diferenciar fortemente o Transtorno Parafílico Severo da simples Parafilia.  A Psiquiatria Forense se interessa, predominantemente, pela forma grave da Parafilia, que é oTranstorno Parafílico Severo. Para ser considerada Transtorno Parafílico Severo há necessidade dos seguintes requisitos:

1. Caráter opressor com perda da liberdade de opções e alternativas. O parafílico não consegue deixar de atuar de determinada maneira.
2. Caráter rígido, significando que a excitação sexual só é conseguida em determinadas situações e circunstâncias estabelecidas pelo padrão da conduta parafílica.
3. Caráter impulsivo, que se reflete na necessidade imperiosa de repetição da experiência.

A compulsão do Transtorno Parafílico Severo pode ocasionar atos delinquenciais com severas repercussões jurídicas. É o caso, por exemplo, da pessoa exibicionista, a qual mostrará os genitais publicamente, do necrófilo que violará cadáveres, do pedófilo que espiará, tocará ou abusará de crianças, do sádico que produzirá dores e ferimentos deliberadamente, e assim por diante.

Ao analisar o agressor sexual sob a ótica do Código Penal, deve-se estudar a conduta sexual de cada pessoa particularizada, deve-se ter em mente que estes delitos também podem ser cometidos por indivíduos considerados “normais”, em determinadas circunstâncias (como uso de drogas e/ou álcool, por exemplo). Também é importante levar em conta que a as Parafilias não são, por si só, obrigatoriamente produtoras de delitos e nem mesmo de sofrimento, nem  deve-se acreditar que os delitos sexuais são mais frequentemente produzidos por pessoas com Parafilias.

Os delitos sexuais mais comuns são: violação, abuso sexual, estupro, abuso sexual de menores, exibicionismo, prostituição, sadismo, mais ou menos nessa ordem.

Para o estudo do delito sexual na Parafilia (delito parafílico), deve-se considerar que a pura e simples existência da Parafilia não justifica nenhuma condenação legal, desde que as pessoas envolvidas não transgridam leis e normas e vivam em sua privacidade sem prejudicar outras pessoas. Também não se pode confundir a eventual intolerância sociocultural que a Parafilia desperta com necessidade de apenar-se o parafílico. O que se relaciona com a contravenção e eventual crime é o Transtorno Parafílico Severo.

A orientação profissional, quando acontece, objetiva convencer a pessoa a tomar consciência de que deve viver sua sexualidade parafílica com a mesma responsabilidade civil da sexualidade convencional e que, apesar da pessoa não ser responsável por suas tendências, ela o é em relação à maneira como as vive. A Parafilia deve ajustar-se às normas de convivência social e respeito ao próximo.

Há referências científicas sobre o fato de muitos indivíduos parafílicos apresentarem um certo mal estar antecipatório ao episódio de descontrole da conduta, mal estar este que alguns autores comparam com os pródromos das epilepsias temporais como uma espécie de “aura”. Não raras vezes essas pessoas aborrecem-se com seu transtorno e, por causa da compulsão, acham-se vítimas de sua própria doença.

Violência Sexual; alguns dados importantes
Em 2013 um questionário sobre violência sexual do Ipea estimou que a cada ano 0,26% da população brasileira sofre violência sexual, índice que se traduz anualmente em 527 mil casos de tentativas ou estupros consumados. Destes casos apenas 10% são reportados à polícia.

Tal informação é consistente com os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) de 2013, que apontou que em 2012 foram notificados 50.617 casos de estupro no Brasil, de fato, 10% dos 527 mil casos apurados no questionário do IPEA.

Em 2011, foram notificados 12.087 casos de estupro no Brasil, o que equivale a cerca de 23% do total registrado no ano seguinte – 2012 – na polícia segundo o FBSP.

Do total das notificações de 2011, 88% das vítimas foram do sexo feminino, mais de 50% tinha menos de 13 anos de idade, 46% não possuía o ensino fundamental completo, 51% das vítimas eram de cor preta ou parda e apenas 12% eram ou haviam sido casados anteriormente. Por fim, mais de 70% dos estupros vitimizaram crianças e adolescentes. Tais dados são alarmante, considerando-se as consequências psicológicas para esses garotos e garotas em época do processo de formação da autoestima.

A maioria esmagadora dos agressores sexuais, de acordo com a pesquisa, é do sexo masculino, sendo que as mulheres são autoras do estupro em 1,8% dos casos, quando a vítima é criança.

Viu-se também que 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos e que 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. O indivíduo desconhecido passa a configurar paulatinamente como principal autor do estupro à medida que a idade da vítima aumenta. Na fase adulta, agressores desconhecidos das vítimas respondem por 60,5% dos casos.

No geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica que o principal inimigo está dentro da casa da vítima e que a violência nasce dentro dos lares. Pode-se afirmar também que a ingestão de álcool esteve associada ao estupro de crianças, adolescentes e adultos numa ordem de, pelo menos, 20 a 40% dos casos.

Sendo o agressor sexual conhecido ou não, a ameaça e a força corporal ou espancamento estão fortemente presentes. A prevalência do uso de objetos contundentes ou perfuro cortantes é sempre maior quando o agressor é desconhecido da vítima. As maiores diferenças no tipo do instrumento utilizado se dão em relação ao uso das armas de fogo, presentes em quase 24% dos crimes quando a vítima é adulta e desconhece o estuprador.

Fonte: Daniel Cerqueira e Danilo de Santa Cruz Coelho. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, Informe Técnico. IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, março de 2014.

Psicopatia Sexual e Parafilia
Como já foi visto, a Parafilia não implica automaticamente em delito. Por outro lado, no caso de delito sexual muitas vezes trata-se de uma psicopatia sexual e não de Parafilia. Os comportamentos parafílicos são modos de vida sexual apenas desviados do convencional, sem alcançar na expressiva maioria das vezes o grau de Psicopatia Sexual. Assim sendo, os comportamentos sexopáticos não se limitam a condutas parafílicas e, muitas vezes, uma sexualidade ortodoxa é vivida de forma bastante psicopática.

A Psicopatia Sexual tem lugar quando a atividade sexual convencional ou desviada se dá através de um comportamento psicopático. Esta atitude psicopática deve ser suspeitada quando, por exemplo, há transgressão através de conduta antissocial, voluntária, consciente e erotizada, realizada como busca exclusiva de prazer sexual.

Também deve ser suspeitada de Psicopatia Sexual quando há maldade na atitude perpetrada, isto é, quando o contraventor é indiferente à ideia do mal que comete, não tem crítica de seu desvio e nem do fato deste desvio produzir dano a outros.

O sexopata goza com o mal que exerce e experimenta prazer com o sofrimento dos demais. Ainda de acordo com o perfil sociopático (ou psicopático), seu delito sexual costuma ser justificado por ele distanciando-se da autocrítica. Normalmente dizem que foram provocados, assediados, conduzidos, etc.

Um dos cenários comuns à Psicopatia Sexual é a falta de escrúpulos do psicopata. Normalmente ele reduz sua vítima ao nível de objeto, destruindo-a moralmente através de escândalos, mentiras e degradação. Comumente ele tenta atribuir à vítima um caráter de cumplicidade, alegando com freqüência que ele não é o único a estar se relacionando com a vítima.

Outra peça comum ao teatro psicopático é a refratariedade, ou seja, a incapacidade que eles têm de corrigir seu comportamento, seja por falta de crítica, seja por imunidade às atitudes corretivas (não aprendem pelo castigo). Quando se submetem voluntariamente a alguma terapia é, claramente, no sentido de despertar complacência, condescendência e aprovação. Depois de conquistada nova confiança, invariavelmente reincidem no crime.

O psiquiatra forense deve tomar o cuidado para não se deixar levar pela característica parafílica de uma agressão sexual e deixar passar um transtorno de base muito mais sério que é a Personalidade Psicopática (ou Personalidade Antissocial ou Dissocial).

A Criminalidade Sexual
A análise médico-legal dos delitos sexuais, como em todos os outros tipos de delitos, procura relacionar o tipo ação com a personalidade do delinquente e, como sempre, avaliar se o delinquente tinha plena capacidade de compreensão do ato, bem como de se autodeterminar por ocasião do delito.

Para facilitar a análise, excetuando-se a Deficiência Mental, a Demência Grave, os Surtos Psicóticos Agudos e os Estados Crepusculares, pode-se dizer que em todos os demais casos de transtornos psicossexuais a compreensão do ato está preservada. Deve-se ressaltar ainda, a x ou noção preservada da ilegalidade, imoralidade ou maldade do ato, mesmo nos casos de intoxicação por drogas e álcool, partindo da afirmação, mais do que aceita na psicopatologia, de que essas substâncias nada mais fazem do que aflorar traços de personalidade pré-existentes. Excetua-se nesse último caso, como dissemos, a Embriagues Patológica (solidamente constatada por antecedentes pessoais).

Apesar de alguns estudos mostrarem que portadores de Parafilia que chegaram ao delito o fizeram conduzidos por uma compulsão capaz de corromper seu arbítrio (ou vontade), devemos ressaltar que essa ocorrência é extremamente rara e não reflete, de forma alguma, a expressiva maioria dos delitos sexuais.

Sobre a suposição de tratar-se de atitudes obsessivas ou compulsivas, os critérios devem ser os mesmos do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), que se manifesta através da obsessão e da compulsão, mas não necessariamente de impulsos, os quais caracterizam esta conduta deles decorrente.

As Obsessões Sexuais são definidas como ideias, pensamentos, imagens ou desejos sexuais persistentes e recorrentes, involuntários que invadem a consciência. A pessoa não consegue ignorar ou suprimir tais pensamentos em torno do sexo com êxito, sendo sempre acometido por severa angústia.

As Compulsões Sexuais, por sua vez, são atitudes impostas ao sujeito que se obrigam como alívio da angústia produzida pela ideias obsessivas e não costumam ser dominadas facilmente pela vontade do indivíduo. Normalmente as compulsões são acompanhadas tanto de uma sensação de impulso irracional para efetuar alguma ação, como por uma luta ou desejo em resistir a ele. Com freqüência esse impulso pode permanecer simplesmente como impulso, não executado pelo individuo, já que este tem medo e pavor de “perder o controle” de seu comportamento.

Quando esses impulsos resultam em ação compulsiva, eles provocam grande ansiedade, obrigando a pessoa a evitar situações capazes de provocar a tal obsessão e, consequentemente, o tal impulso. A sequência psicodinâmica é: obsessão, impulso e compulsão ou, ideia, impulso e ato, respectivamente. Entre o impulso e o ato espera-se haver controle da volição (da vontade).

Para que se caracterize uma ideia patologicamente obsessiva, ela deve se manifestar como uma atitude repentina, impossível de controlar e sem nenhuma prevenção ou cálculo premeditado. O impulso decorrente da ideia é muito forte e se manifesta repentinamente, mesmo na presença de terceiros ou até publicamente. A espontaneidade, a falta de planejamento, as manifestações diante de terceiros e fortuidade são características.

As situações onde se atesta a inimputabilidade do delinquente sexual são excepcionalmente raras. O habitual não é que essas atitudes delinquentes sejam frutos de verdadeiros Transtornos Obsessivo-Compulsivos com comportamentos automáticos, mas sim que se tratem de impulsos psicopáticos conscientes e premeditados.

Tanto as obsessões como as compulsões são sempre egodistônicas, ou seja, são ansiosamente reprovadas pela pessoa que delas padece. Somente em formas excepcionais, notadamente quando esse transtorno se sobrepõe a outros transtornos de personalidade, se observa que as obsessões podem despertar a concordância do paciente – egosintônicas. É o caso, por exemplo, de alguns pacientes com cleptomania e não angustiados por isso, ou ainda da piromania ou do jogo patológico.

Impulsos e Pulsões
Diferentemente da obsessão ou compulsão, os impulsos ou pulsões se observam com frequência nas condutas psicopáticas dos Transtornos Antissociais da Personalidade (ou Dissociais). Essas pessoas não são alienadas nem psicóticas e carecem absolutamente de sinais, sintomas e critérios necessários à classificação. Geralmente elas obtêm gratificação e prazer na transgressão, no sofrimento dos demais e na agressão.

Depois do ato delituoso, se este foi motivado por uma atitude psicopática, não aparece o arrependimento ou culpa, tão habitual das atitudes obsessivo-compulsivas. A delinquência sociopática (ou psicopática) é, por isso, considerada egosintônica, ou seja, não desperta no portador nenhuma crítica desfavorável.

A delinquência sexual dos sociopatas ou psicopatas correspondem à uma atuação teatral premeditada (longe de ser tão impulsiva como alegam), consciente e precisamente dirigida à um objetivo prazeroso. Não se trata, absolutamente, de uma atitude compulsiva, incontrolável, irrefreável ou um reflexo automático em resposta à uma ideia obsessivamente patológica.

O que se observa, nos delitos sexuais, é que eles podem ser cometidos, em grande número de vezes, por pessoas consideradas “normais” e que o acontecimento sexual delituoso ocorreu numa determinada circunstância momentânea. Isso acontece porque muitos desses delitos são cometidos não diretamente pela perturbação sexual do agressor mas, frequentemente, por situações favorecedoras do delito, como por exemplo, a intoxicação alcoólica ou por drogas (estupefacientes).

Não obstante, é obvio que tais delitos sexuais também possam ser cometidos por pessoas portadoras de transtornos da sexualidade como, por exemplo, as Parafilias, mas em geral – ressaltando mais uma vez – a parafilia simples por si só não é suficiente para que a pessoa se transforme em um criminoso.

A Sexualidade e a Lei
Para suspeitar de alguma ocorrência delituosa em torno da questão sexual, é essencial avaliar se a relação sexual foi livremente aceita por seus participantes (veja O Normal em Sexualidade). Portanto, há sempre a necessidade de complacência, aceitação e desejo das partes envolvidas no contrato sexual, caso contrário será uma atitude de submissão forçada, do uso da força, da coação, do engodo ou sedução.

Fora isso, o código penal endossa a liberdade sexual das pessoas, ficando a questão ética e moral relegada a um segundo plano se o ato sexual foi consentida e desejada pelos participantes.

O ser humano, durante seu desenvolvimento, passa de um ser sexuado para um ser sexualizado. E ele aprende, tal como andar e falar, também a sua sexualidade, portanto, esta é também uma parte importantíssima de sua personalidade. O desempenho sexual da pessoa costuma levar em consideração alguns critérios:

a) Importa a genitalidade, que é o elemento somático da sexualidade, determinada geneticamente e se manifesta, para a ciência, através dos caracteres sexuais primários e secundários específicos de cada gênero;
b) A psicosexualidade, relacionada à faculdade do prazer e é oferecida à pessoa por fatores pulsionais (pulsões), emocionais, afetivos, de aprendizagem, pela liberdade de elaboração das fantasias eróticas e pelo impulso absolutamente necessário à motivação sexual;
c) O relacionamento sexual interpessoal que se regula, civilizadamente, pelo respeito e determinação da vontade (volição), da ética e da inteligência.

Com esta visão panorâmica da função sexual, podemos começar a entender as condutas sexuais humanas e qualquer que seja o aspecto a ser analisado sobre o delito sexual, primeiramente temos que nos ocupar da Personalidade da pessoa delituosa e das circunstâncias onde ela se insere.

A atitude delituosa será a expressão material (ato) da personalidade em sua relação com a realidade, com o mundo em geral e com sua vítima, em particular.

Essa modalidade delituosa de se relacionar sexualmente significa uma violação ou uma transgressão das normas estabelecidas.

A psiquiatria, sociologia e antropologia têm insistido sempre em estabelecer as diferenças entre a pessoa delinquente e a pessoa socialmente adaptada.

Se alguma pequena conclusão dessa discussão infindável possa ser extraída, é o fato do delinquente ter uma estória pessoal de vida com certas características, certas disposições que falham em determinadas circunstâncias e que estariam relacionadas à sua conduta contraventora.

O Perfil do Delinquente Sexual
As estatísticas têm mostrado que 80 a 90% dos contraventores sexuais não apresenta nenhum sinal de alienação mental, portanto, são juridicamente imputáveis. Entretanto, desse grupo de transgressores, aproximadamente 30% não apresenta nenhum transtorno psicopatológico da personalidade evidente e sua conduta sexual social cotidiana parece ser perfeitamente adequada. Nos outros 70% estão as pessoas com evidentes Transtornos da Personalidade, com ou sem perturbações sexuais manifestas (disfunções sexuais e/ou Parafilias).

Aqui nesses Transtornos da Personalidade se incluem os psicopatas, sociopatas, borderlines, antissociais, etc. Destes 70%, um grupo minoritário de 10 a 20%, é composto por indivíduos com graves problemas psicopatológicos e de características psicóticas alienantes, os quais, em sua grande maioria, seriam juridicamente inimputáveis.

Assim sendo, a inclinação cultural tradicional de se correlacionar automaticamente o delito sexual com doença mental inimputável deve ser desacreditada totalmente, uma vez que 80 a 90% dos contraventores sexuais não apresenta nenhum sinal de alienação mental. Embora muitos desses contraventores possam apresentar Transtornos da Personalidade, porém, tais transtornos são não-alienantes.

A crença de que o agressor sexual atua impelido por fortes e incontroláveis impulsos e desejos sexuais irrefreáveis e inexoráveis é infundada, ao menos como explicação genérica para esse tipo de crime. É sempre bom sublinhar a ausência de doença mental na esmagadora maioria dos violadores sexuais e, o que se observa também na maioria das vezes, são indivíduos com condutas aprendidas e/ou estimuladas determinadas pelo livre arbítrio.

Devemos distinguir o portador de Transtorno Parafílico, geralmente um delinquente sexual, um transgressor das normas sociais, jurídicas e morais da Parafilia simples, muito mais associada à uma característica da personalidade, sem necessariamente transgredir.

Assim, por exemplo, uma pessoa normal ou um exibicionista podem, tanto um quanto o outro, ter uma atitude francamente delinquente. Por outro lado, um sadomasoquista, travesti ou onanista pode, apesar das Parafilias que possui, não ser necessariamente contraventor ou criminoso.

Violação e Estupro
Podem ser observadas algumas alterações psicopatológicas na personalidade do violador que promove a penetração peniana sem o consentimento da pessoa que a sofre. Ele pode ser um individuo instável, imaturo, inclinado a agressividade diante da frustração, hostil, reprimido, com autoestima mais rebaixada, carente de afeto, inseguro e temeroso. Em geral se observa que o violador masculino típico, é uma pessoa agressiva com forte componente sádico em sua personalidade, com potencial hostil consciente para com as mulheres e sentimento de insegurança sobre sua masculinidade.

Quando portador de alguma psicopatologia, o violador sexual pode apresentar distintas manifestações compatíveis com o transtorno impulsivo e/ou explosivo da personalidade, alcoolismo, deficiência mental e pode mesmo ser um psicótico. Sempre sublinhando que é muito pequena a proporção desses agressores que se encaixa aqui.

Uma das diferenças marcantes entre o agressor sexual e a pessoa portadora de sadismo (Parafilia não obrigatoriamente delinquencial), é o fato deste último valer-se da submissão da(o) companheiro(a) para conseguir o prazer, nem sempre relacionado à penetração e, na maioria das vezes, compactuado pelo companheiro(a). Já o agressor sexual, tem por objetivo de sua violência a própria penetração peniana na vítima sem seu consentimento.

O agressor sexual normalmente acaba por empregar mais violência que a necessária para consumar seu ato agressivo, de modo que a excitação sexual também se dá como consequência dessa exibição de força, de sua expressão de raiva para com o agredido e do dano físico imposto à sua vítima. O violador age como se fosse por “vingança” das injustiças reais ou imaginárias que experimenta na vida. Não é raro encontrar entre os agressores sexuais antecedentes de maus tratos na infância, nem história de serem filhos adotivos.

A meta psicodinâmica do violador é a possessão sexual como forma de compensação de uma vida miserável, mesquinha, rotineira e socialmente acanhada. A agressão é motivada, fundamentalmente, pelo desejo de demonstrar à vítima sua competência sexual, até como compensação da falta de ajustamento social adequado. A violação pode ser um meio do sujeito afirmar sua identidade idealizada.

Não é raro que o violentador sexual apresente algum desvio sexual (Parafilia), como pode ser o caso do fetichismo, travestismo, exibicionismo, voyeurismo ou disfunções sexuais, tais como a impotência de ereção, ejaculação precoce, etc. Isso, evidentemente, não torna o pessoa irresponsável pelos seus atos e nem, tampouco, inimputável.

Mitos e Realidades sobre Abuso Sexual
1 – O agressor sexual normalmente é um psicopata, um tarado ou doente mental que todos reconhecem.
Falso: Na maioria das vezes, é uma pessoa aparentemente normal, até mesmo querida pelas crianças e pelos adolescentes.

2 – Pessoas estranhas representam perigo maior às crianças e adolescentes.
Falso: Os estranhos são responsáveis por um pequeno percentual dos casos registrados. Na maioria das vezes os abusos sexuais são perpetrados por pessoas que já conhecem a vítima, como por exemplo o pai, a mãe, madrasta, padrasto, namorado da mãe, parentes, vizinhos, amigos da família, colegas de escola, babá, professor(a) ou médico(a).

3 – O abuso sexual está associado a lesões corporais.
Falso: A violência física sexual contra crianças e adolescentes não é o mais comum, mas sim o uso de ameaças e/ou a conquista da confiança e do afeto da criança. As crianças e os adolescentes são, em geral, prejudicados pelas consequências psicológicas do abuso sexual.

4 – O abuso sexual, na maioria dos casos, ocorre longe da casa da criança ou do adolescente.
Falso: O abuso ocorre, com freqüência, dentro ou perto da casa da criança ou do agressor. As vítimas e os agressores costumam ser, muitas vezes, do mesmo grupo étnico e socioeconômico.

5 – O abuso sexual se limita ao estupro.
Falso: Além do ato sexual com penetração (estupro) vaginal ou anal, outros atos são também considerados abuso sexual, como o voyeurismo, a manipulação de órgãos sexuais, a pornografia e o exibicionismo.

6 – A maioria dos casos é denunciada.
Falso: Estima-se que poucos casos, na verdade, são denunciados. Quando há o envolvimento de familiares, existem poucas probabilidades de que a vítima faça a denúncia, seja por motivos afetivos ou por medo do agressor; medo de perder os pais; de ser expulso(a); de que outros membros da família não acreditem em sua história; ou de ser o(a) causador(a) da discórdia familiar.

7 – As vítimas do abuso sexual são oriundas de famílias de nível socioeconômico baixo.
Falso: Níveis de renda familiar e de educação não são indicadores do abuso e as famílias das classes média e alta podem ter condições melhores para encobrir o abuso. Nesses casos, geralmente as crianças são levadas para clínicas particulares, onde são atendidas por médicos da família, encontrando maior facilidade para abafar a situação.

8 – A criança mente e inventa que é abusada sexualmente.
Falso: Raramente a criança mente sobre essa questão. Apenas 6% dos casos são fictícios.

para referir:
Ballone GJ – Delitos Sexuais  e Parafilias – in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.net, revisto em 2021.