Psicopatologia

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psicopatologia é o estudo e descrição dos sintomas e fenômenos psíquicos patológicos que serve de base para a psiquiatria.

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O termo psicopatologia é de origem grega, partindo de psykhé, que siginifica alma, juntando-se com o termo patologia, significando morbidade ou doença. Apesar da clareza do termo (doença da alma), como seria possível suspeitar de uma patologia do espírito ou da alma, já que, conceitualmente, o espírito não pode adoecer. Filosoficamente só existiria enfermidade no biológico ou no antropológico e os fenômenos psíquicos só seriam patológicos quando sua existência estivesse condicionada a alterações patológicas do corpo.

A psicopatologia se estabelece através da observação e sistematização de fenômenos do psiquismo humano e presta a sua indispensável colaboração aos médicos em geral, aos psiquiatras em particular, aos psicólogos, sociólogos e a todo o grupo das ciências humanas.

Jaspers conceituou a psicopatologia como ciência pura, e via seus objetivos exclusivamente atrelados ao conhecimento. Em sua opinião, quando se estuda a psicopatologia , deve-se levar em conta que o fundamento real da investigação é constituído pela vida psíquica, e esta será representada, compreendida e avaliada através das expressões verbais e do comportamento perceptíveis ao paciente.

A psicopatologia quer sentir, apreender e refletir sobre o que realmente acontece no psiquismo humano e parte do pressuposto de que existe, na normalidade, uma inclinação geral e fisiológica para a realidade.

Conhecer a vida psíquica e suas infindáveis conexões dinâmicas e pessoais é tentar representar o universo psíquico através dos fenômenos mentais, portanto, desse modo, Jaspers emprega o termo fenomenologia, no sentido restrito de uma psicologia das manifestações da consciência, quer normais, quer patológicas.

Enquanto a Psiquiatria Clínica se constitui em um ramo da medicina aplicado às alterações psíquicas, ao diagnóstico, ao tratamento e à profilaxia das doenças mentais, a psicopatologia se restringe a conhecer e descrever os fenômenos psíquicos patológicos para, dessa forma, oferecer à psiquiatria as bases para a compreensão dos mecanismos íntimos e desenvolvimento do psiquismo humano. Compete à psicopatologia reunir materiais para a elaborar o conhecimento dos fenômenos com os quais a psiquiatria possa coordenar sua ação curativa e preventiva.

Segundo Minkowski, o termo psicopatologia corresponde mais a uma psicologia do patológico do que a uma patologia do psicológico. Em sua opinião, a psicologia do patológico se refere à descrição global da experiência vivida pelo enfermo e, global, nesse caso, implica em visão holística e integrada do todo psíquico com o todo vivido pela pessoa. Parece-nos que Minkowski se referia ao que conhecemos hoje por Psicopatologia Especial, capaz de delimitar e definir as Doenças Mentais juntando um conjunto de sintomas que valem como critérios de diagnóstico. A Psicopatologia Especial parte do entendimento global dos sintomas para compor o cenário da doença.

Jaspers, por sua vez, se referia predominantemente à Psicopatologia Geral, ou seja, à gênese e fisiopatologia dos sintomas em si. Esmiuçava e descrevia os sintomas em si, as alucinações, delírios, fugas do pensamento, e assim por diante.

Embora seja possível destacar manifestações psíquicas isoladas ao observar o estado psíquico atual de um paciente, como por exemplo, o estado de sua memória, de seu raciocínio, sua sensopercepção, etc., não devemos acreditar na valorização absoluta de quaisquer aspectos desse psiquismo isoladamente, pois, cada aspecto da realidade psíquica só existe em estreita vinculação com as demais ocorrências psíquicas.

Assim como a sinfonia não é a somatória das notas musicais, também a vida psíquica não pode ser compreendida como um amontoado de sinais e sintomas academicamente separados. A vida psíquica se comporta como um todo e, tal como a sinfonia, ela se compõe de acontecimentos e ocorrências que só obtém significado nas relações entre si, como um todo indissolúvel.

Se não considerarmos a conjuntura global e dinâmica da vida psíquica, ou seja, se não se pretendermos uma visão fenomenológica, a medicina não compreenderá o que realmente se passa com o paciente. Isso se aplica praticamente a todas as áreas médicas e não só à psiquiatria.

Quando consideramos o sintoma isoladamente, por exemplo, uma alucinação, estamos sabendo que a pessoa está tendo “uma percepção real de algo que não existe“, que é a definição acadêmica de alucinação ou, quando relatamos que o paciente apresenta um delírio, tal como “um juízo falso ao qual se apega apesar de todas as provas em contrário“, estamos recorrendo a fórmulas verbais tecnicamente e psicopatologicamente corretas (definições). Entretanto, obrigatoriamente devemos levar em consideração o que, de fato, significa para o paciente a experiência alucinatória ou delirante, como isso se apresentou no contexto global de sua vida psíquica.

Para o diagnóstico devemos considerar os sintomas dinamicamente, inseridos no universo existencial e psíquico da pessoa, procurando saber o que, exatamente, representam esses fenômenos (seja uma alteração da sensopercepção, do pensamento, memória, etc) para esse determinado paciente, nessa determinada circunstância.

Igual raciocínio pode ser aplicado quando a medicina descreve com absoluta precisão a fisiopatologia de uma úlcera digestiva, ou as alterações vasomotoras que produzem o aumento da pressão arterial, ou as nuances endócrinas envolvidas na ausência de menstruação e assim por diante. Essas questões fisiopatológicas referem-se aos “como” acontecem as doenças.

Entretanto, quando consideramos o sintoma, a alteração ou a resposta alterada do organismo de forma integrada ao global da pessoa e de sua vida, estamos buscando não apenas o “como” mas, sobretudo, os “porquês” de sua doença.

A medicina geral tem uma irrefreável tendência para a redução e fragmentação de seu conhecimento, dos eventos, de suas observações (reducionismo científico). Essa atitude mecanicista foi importante para o aprofundamento do conhecimento e para a constituição das especialidades médicas. Mas o entendimento global da pessoa não deve ser preterido ou negligenciado.

Quando observamos e descrevemos funções psíquicas, tais como a sensação, a percepção, a atenção, a memória, o pensamento, o juízo, a vontade, o estado de ânimo, a excitabilidade, a impulsividade, o domínio dos impulsos, etc., também estamos desempenhando uma atitude reducionista (fragmentária). Porém, essas observações de aspectos parciais das atitudes humanas não podem ser emancipadas do conjunto global das vivências das pessoas que as experimentam. Novamente isso vale para o restante da medicina, onde freqüentemente se descreve um transtorno autoimune como se ele existisse fora da pessoa que o apresenta.

Quando encontramos desvios daquilo que se considera normal, pensamos logo em sintomas doentios, confundindo o não-normal com a doença. Essa vontade de diagnosticar muitas vezes deixa de considerar as circunstâncias globais onde aparecem reações não-normais.

Considerando os sintomas e as alterações isoladamente, a medicina estará dando rédeas a uma tendência à fragmentária na observação dos seres humanos. Através da visão fragmentária da existência humana, temos a impressão de que a vida possa ser compreendida como um mosaico formado a partir da somatória de manifestações isoladas. Esta impressão, até certo ponto atraente, não corresponde jamais à realidade.

Quando estudamos isoladamente a memória, o pensamento, a orientação, a atenção, o impulso, o afeto, etc, … a finalidade reducionista é meramente didática, para facilitar a compreensão dos fenômenos e não uma regra absoluta para elaboração de diagnóstico.

Para se ter uma idéia da necessidade imperiosa de compreensão global dos fenômenos psíquicos, vejamos o fato do pensamento pressupor a existência de lembranças contínuas. E vice-versa, ou seja, cada recordação, pressupõe uma realização intelectual significativa. Além disso, quando nos lembramos daquilo que percebemos, a sensopercepção não pode ser, de forma alguma, emancipada da memória.

As recordações implicam, naquilo que é importante para nós, implicam, assim, na consciência. Então a consciência está envolvida na memória, no pensamento, na sensopercepção… e assim por diante. Quando nos lembramos de um amigo, raramente lembramos que gravata estava usando, mas podemos muito bem lembrar se ele estava alegre ou triste. Dessa forma envolve-se também a sensibilidade ou afetividade.

Evocar fatos da consciência que tenham um significado (afetivo) para a situação atual, representa uma realização intelectual importante, uma realização que não se distingue das atribuições do pensamento, portanto, a separação total dos processos intelectuais, anímicos e sentimentais é apenas didática. Como soubemos ao estudar a Representação da Realidade, são os sentimentos que dão colorido às recordações, aos pensamentos, aos planos, à realidade e, estes aspectos por sua vez, evocam novos sentimentos.

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Baseado na Classificação Internacional de Doenças (CID), entende-se como Transtornos Mentais e Comportamentais as condições caracterizadas por alterações mórbidas do modo de pensar e/ou do humor (emoções), e/ou por alterações mórbidas do comportamento associadas a angústia expressiva e/ou deterioração do funcionamento psíquico global. 

Um comportamento anormal ou um curto período de anormalidade do estado afetivo não significa, em si, a presença de distúrbio mental ou de comportamento. Para serem categorizadas como transtornos, é preciso que essas anormalidades sejam persistentes ou recorrentes e que resultem em certa deterioração ou perturbação do funcionamento pessoal, em uma ou mais esferas da vida.

Os Transtornos Mentais e Comportamentais se caracterizam também por sintomas e sinais específicos e, geralmente, seguem um curso natural mais ou menos previsível, a menos que ocorram intervenções. Nem toda deterioração humana denota distúrbio mental.

As pessoas podem sofrer angústia em virtude de circunstâncias pessoais ou sociais e, a menos que sejam satisfeitos todos os critérios necessários para o diagnósticos de determinado distúrbio, essa angústia não constituirá distúrbio mental.

Há diferença, por exemplo, entre um estado afetivo deprimido e depressão doença, o primeiro surgindo como resposta a uma determinada circunstância estressante e a outra como uma doença franca.

Diferentes modos de pensar e se comportar, entre diferentes culturas, podem influenciar a maneira pela qual se manifestam os Transtornos Mentais. Assim, as variações normais determinadas pela cultura não devem ser rotuladas como Transtornos Mentais, da mesma forma como, também, não podem ser tomadas como indicações de distúrbio mental as crenças sociais, religiosas e/ou políticas. Essas nuances étnicas e culturais fazem parte da chamada Psiquiatria Transcultural.

Os Transtornos Mentais e de Comportamento considerados pela Classificação Internacional das Doenças da OMS da ONU (CID.10) obedecem descrições clínicas e normas de diagnóstico e compoem uma lista bastante completa. Há também outros critérios de diagnóstico disponíveis para a pesquisa, para uma definição mais precisa desses transtornos, como é o caso do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Norte-americana de Psiquiatria.

Todas essas classificações de Transtornos Mentais classïficam síndromes, doenças e condições, mas não classificam pessoas, as quais podem sofrer um ou mais desarranjos emocionais durante um ou mais períodos da vida, independentemente das etiquetas diagnósticas estabelecidas pelo sistema.

Para um entendimento mais prático e objetivo sobre o diagnóstico das doenças mentais veja a página O Diagnóstico em Psiquiatria.

Os Transtornos Mentais e Comportamentais são identificados e diagnosticados através dos métodos clínicos semelhantes aos utilizados para os transtornos físicos. Esses métodos incluem uma cuidadosa entrevista (anamnese) colhida com o paciente e com outras pessoas, incluindo sua família, um exame clínico sistemático para verificar o estado mental e suas condições orgânicas, testes e exames especializados que forem necessários. Registraram­-se, nas últimas décadas, avanços importantes na padronização da avaliação mental e emocional, bem como na confiabilidade dos diagnósticos clínicos.

Graças aos esquemas internacionais estruturados e padronizados de entrevistas, graças às definições uniformes dos sinais, dos sintomas e dos critérios de diagnóstico, é possível atingir alto grau de confiabilidade e validade no diagnóstico de Transtornos Mentais. Esses sinais e sintomas foram internacionalmente definidos detalhadamente para permitir uma linguagem comum e uniforme em todo mundo científico, imprescindível para o diagnóstico e para as pesquisas.

Assim, os critérios de diagnóstico para Transtornos Mentais foram padronizados internacionalmente de tal forma que, atualmente, é possível diagnosticar Transtornos Mentais de forma tão confiável e precisa quanto a maioria dos transtornos orgânicos.

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Fatores Biológicos, Psicológicos e Sociais
Por muitos anos, os cientistas discutiram a importância relativa dos fatores genéticos versus fatores ambientais no desenvolvimento de Transtornos Mentais e de Comportamento. Hoje, entre as causas, os determinantes e os agravantes da Doença Mental a separação artificial dos fatores biológicos, psicológicos e sociais tem constituído um grande obstáculo ao estudo e compreensão. Na verdade, esses transtornos mentais são semelhantes a muitas doenças físicas, pelo fato de resultarem de uma complexa interação de vários fatores.

A evidência científica moderna indica que os Transtornos Mentais e Comportamentais resultam de fatores genéticos e ambientais ou, em outras palavras, da interação da biologia com fatores sócio-ambientais. O cérebro não reflete simplesmente o desenrolar determinista de complexos programas genéticos, nem é o comportamento humano mero resultado do determinismo ambiental. Já desde antes do nascimento e por toda a vida, os genes e o meio ambiente estão envolvidos numa série de complexas interações. Essas interações são cruciais para o desenvolvimento e evolução dos Transtornos Mentais e Comportamentais.

A ciência modera está mostrando, por exemplo, que a exposição a estressores durante o desenvolvimento inicial da personalidade está associada com a hipereatividade cerebral persistente e o aumento da probabilidade de depressão numa fase posterior da vida . 

Não obstante, o descobrimento de genes associados ao aumento do risco de transtornos emocionais continuará proporcionando instrumentos de pesquisa importantes, os quais, juntamente com uma compreensão maior dos circuitos neurais, virão trazer novos e importantes vislumbres à fisiopatologia dos Transtornos Mentais e de Comportamento.

Ainda há muito que aprender sobre as causas e agravantes dos Transtornos Mentais e Comportamentais, mas as contribuições da neurociência, da genética, da psicologia e da sociologia, entre outras, desempenham importante papel informativo da maneira da psiquiatria compreender essas complexas relações. Uma apreciação cientificamente fundamentada das interações entre os diferentes fatores contribuirá poderosamente para erradicar a ignorância e pôr paradeiro aos maus-tratos infligidos pela própria sociedade às pessoas com esses problemas.

1. – Fatores Biológicos
A idade e o sexo estão associados com Transtornos Mentais e Comportamentais. Já foi demonstrada a associação dos Transtornos Mentais e Comportamentais com perturbações da comunicação neural no interior de circuitos específicos. Na esquizofrenia, anormalidades na maturação dos circuitos neurais podem produzir alterações detectáveis na patologia no nível das células e dos tecidos grossos, as quais resultam no processamento incorreto ou mal adaptativo de informações (Lewis e Lieberman 2000).

Na depressão, contudo, é possível que não ocorram anormalidades anatômicas distintas e o risco da doença pode ser devido antes a variações na responsividade dos circuitos neurais (Berke e Hyman 2000). Estas, por sua vez, podem refletir alterações quase imperceptíveis na estrutura, na localização ou nos níveis de expressão de proteínas críticas para a função normal.

Paralelamente ao progresso na neurociência, ocorreram avanços na genética. Quase todos os Transtornos Mentais e Comportamentais graves comuns estão associados com um significativo componente de risco genético. Estudos do modo de transmissão de Transtornos Mentais entre diversas gerações de famílias extensas e estudos que comparam o risco de Transtornos Mentais em gêmeos monozigóticos (idênticos), em oposição a gêmeos dizigóticos (fraternais), levaram, porém, à conclusão de que o risco das formas comuns de Transtornos Mentais é geneticamente complexo.

Os Transtornos Mentais e Comportamentais devem-se, predominantemente, à interação de múltiplos genes de risco com fatores ambientais. Ademais, é possível que a predisposição genética ao desenvolvimento de determinado distúrbio mental ou comportamental se manifeste somente em pessoas sujeitas a certos estressores que desencadeiam a patologia.

Os exemplos de fatores ambientais poderiam abranger desde a exposição a substâncias psicoativas no estado fetal, até a desnutrição, infecção, perturbação do ambiente familiar, abandono, isolamento e trauma.

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A maioria dos sintomas das perturbações psíquicas tradicionalmente observados e utilizados para o diagnostico nas classificações, se referem a processos isolados, como por exemplo, perturbações da atenção, alucinações, idéias delirantes, estados confusionais, etc.

Muitas vezes falamos desses sintomas como se fossem independentes de outras ocorrências e pudessem existir independentemente da vida psíquica como um todo. Da mesma forma, falamos que o paciente “fez uma hipocalcemia”, como se todo seu problema fosse realmente atrelado ao cálcio.

Esse tipo de raciocínio reducionista é que acaba fazendo com que cada especialista médico tenha uma visão bastante estreita do problema de seu pacientes.

O dermatologista reducionista, por exemplo, acaba enfocando mais o fungo que a pessoa acometida por uma lesão fúngica. Ela acaba acreditando que o problema do paciente (e seu) termina realmente com a prescrição de um fungicida de última geração. Essa seria a postura de um profissional especializado a tratar de fungos e não de pessoas.

Há tempos se suspeita que a maioria das agressões ao corpo humano depende mais do agente agredido que do agente agressor. Não obstante, assim como nas patologias dos vários órgãos e sistemas, também na psicopatologia cada sintoma é só mais um processo apenas aparente de uma perturbação geral.

Não se pode sofrer exclusivamente de uma perturbação do pensamento (por exemplo, o aparecimento de estados confusionais), como se o pensamento só fosse uma espécie de ferramenta desta personalidade. Ao contrário, a perturbação do pensamento é um sinal de que a própria personalidade se alterou.

O estado de ânimo alterado produz alteração afetiva capaz atribuir um significado anômalo aos acontecimentos do mundo, portanto, diante de idéias delirantes, convém ver se a pessoa também não sofre de outras áreas, se isso é ou não uma resposta à algum sofrimento emocional ou se é ou não uma questão hereditária…

Em função de todas estas razões, é muito duvidosa a conveniência de atribuir à psicopatologia apenas a descrição de funções psíquicas isoladas e sintomas psicopatológicos, como acontece na Psicopatologia Geral, aquela que se prende predominantemente aos sintomas.

A psicopatologia só se completa com a fenomenologia e com a Psicopatologia Especial, aquela que estuda a combinação dos sintomas na composição de um determinado quadro psicoemocional.

De início, com Jaspers, a fenomenologia aplicada à psicopatologia centralizava sua atenção no fenômeno psíquico elementar, na vivência. O psicopatologista de hoje toma como objeto de estudo, em primeiro lugar, as grandes conexões psíquicas, onde se inclui o que foi vivido pelo paciente, sua performance neuropsicológica e seu contexto sócio-cultural.

Em segundo lugar, o objetivo da Psicopatologia moderna consiste na avaliação das significações especiais que o sujeito atribui ao mundo objectual.

 A fenomenologia moderna contribui para o conhecimento de três espécies de fenômenos:
a) aqueles que conhecemos por nossa própria experiência e que são estatisticamente mais encontrados;
b) aqueles fenômenos de acentuações, diminuições e contaminações de experiências pessoais e que fogem do estatisticamente comum devido a seu aspecto quantitativo;
c) aqueles fenômenos que, além de fugirem do estatisticamente comum, se caracterizam pelo fato de não poderem ser representados no espírito humano normal de maneira compreensiva, tendo em vista sua qualidade diferente. A esse último grupo pertencem as experiências que se deominam “primárias”.

Esse enfoque fenomenológico tríplice foi importante para a diferenciação entre sintomas primários e secundários. A diferenciação primário-secundário é um dos principais requisitos da psiquiatria moderna e foi inspirada na patologia somática: uma paralisia do nervo abducente do olho, por exemplo, é um sintoma primário. Ele faz o olho virar fortemente para um lado. O estrabismo que se segue à contração do músculo é o sintoma secundário.

Enquanto o público leigo supervaloriza o estrabismo, o médico bem orientado deve se preocupar com a ocorrência primária para estabelecer sua conduta, ou seja, com a paralisia do nervo abducente.

Quando um paranóico entende um acontecimento neutro, como por exemplo, o simples tossir de uma pessoa que anda pela rua, como se fosse um sinal de que desejam ridicularizá-lo, isto pode ser, em certo sentido, um sintoma primário (se for de fato uma paranóia).

Já o comportamento, impropérios e agressividade conseqüentes a esse juízo falso da realidade, serão reações à interpretação delirante, portanto, serão sintomas secundários.

O público leigo se espanta com a agressividade, enquanto a psiquiatria deve dirigir suas atitudes no sentido do sintoma primário, o delírio esquizofrênico.

Naturalmente, hoje em dia existem razões da neurociência para se admitir, também, que o próprio delírio possa ser secundário a outras alterações, supostamente bioquímicas e moleculares. É um conhecimento dialético.

Dois ou mais sintomas, muitas vezes, podem ser expressão de uma mesma perturbação fundamental (primária): pacientes com doenças cerebrais orgânicas e degenerativas, por exemplo, tornam-se pobres em suas idéias e recordações. Ao mesmo tempo, a vida afetiva deles torna-se mais superficial, podendo até ficarem embotados afetivamente.

Durante muito tempo estivemos tentados a explicar o embotamento afetivo do paciente demenciado como se fosse conseqüência do empobrecimento na elaboração dos conceitos, comum nas demências.

Contudo, poderíamos ainda tentar atribuir a pobreza do pensamento à completa falta de interesse do paciente em pensar e em recordar. Será, provavelmente, mais correto pensar que toda a diferenciação do psiquismo se deu pelo empobrecimento do pensamento e, este, foi uma conseqüência do rebaixamento patológico da afetividade.

Também podemos encontrar mesmos sintomas tendo significados diversos. Dois casos de delírios, por exemplo, podem representar fenômenos diferentes, de acordo com o contexto psicopatológico no qual eles se desenvolvem.

Neste exemplo, um dos delírios pode ser, de fato, uma idéia delirante no sentido de ter pecado, de estar com a alma suja, de ir para o inferno, refletindo um profundo estado de rebaixamento da auto-estima, um sinal de forte depressão (Depressão Grave com Sintomas Psicóticos).

Apesar da ecentricidade da idéia delirante, ela desaparecerá junto com o tratamento da depressão. Por outro lado, esta mesma idéia delirante, desacompanhada de importante alteração do estado de humor, pode indicar uma doença totalmente diversa, pode surgir no curso de um surto esquizofrênico.

Ainda mais. Não devemos vincular o significado de um sintoma apenas ao estado atual da pessoa mas, sobretudo, procurar relacioná-lo à sua vida global. Uma alteração de humor sob a forma de tristeza terá um significado quando ocorre em conseqüência de um severo golpe do destino, e outra significado se aparecer em quem vive em circunstâncias felizes.

Se um homem emocionalmente mobilizado ouve a palavra de Deus, numa época e ambiente de exaltação religiosa, tal fato não terá um significado necessariamente patológico, enquanto a mesma palavra de Deus ouvida por uma pessoa em estado emocional e afetivo completamente inalterados, nos dá razão para suspeitar de doença mental.

Adotando a postura de reconhecer e identificar os sintomas primários e secundários, estaremos exercendo uma psiquiatria que procura entender a situação do paciente não só à luz do momento atual mas, sobretudo, de acordo com sua existência e circunstância emocional global.

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para referir:
Ballone GJ – Psicopatologia – in. PsiqWeb, Internet, disponível emwww.psiqweb.med.br, revisto em 2019

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