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Muitas vezes as pessoas afirmam, num desabafo ou por razões pejorativas, que fulano é louco, não exatamente como um diagnóstico médico, como fariam chamando alguém de diabético, mas no sentido extremamente depreciativo.
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Quem é louco e quem é normal? – Essa é uma questão que tem estimulado discussões sem fim. Muitas vezes as pessoas afirmam, em desabafo ou por razões pejorativas, que fulano é louco, não exatamente como um diagnóstico médico, como fariam chamando alguém de diabético, hipertenso…, mas em sentido extremamente depreciativo.
Outros, muitas vezes, tentam mesclar a psiquiatria à alguma linha filosófica, lançam mão da retórica cansativa sobre a impossibilidade de se rotular alguém de louco, uma vez que a definição do indivíduo normal é imprecisa. Esse malabarismo mental inviabiliza a primeira questão, aquela de se xingar alguém de louco, já que louco não deveria existir.
Denominar alguém de louco atende desde alguma vocação depreciativa, como vimos, até uma espécie de elogio, dependendo da entonação:”- acho ele tão loucão…”, como uma característica socialmente fascinante. Difícil entender.
Na prática, entretanto, podemos dizer que o tratamento psiquiátrico costuma ser pensado sempre que uma manifestação psíquica incomoda o sistema sócio-cultural, a família ou faz sofrer o indivíduo. A internação psiquiátrica é solicitada proporcionalmente ao grau dos dois primeiros.
Teoricamente, entretanto, os assuntos pertinentes à loucura, aos loucos e ao diagnóstico psiquiátrico parecem despertar interesses nas mais variadas áreas da atividade humana. Sobre a loucura há discursos filosóficos, antropológicos, sociológicos, policiais, forenses e até, porque não?, psiquiátricos. Afinal, nós psiquiatras também gostaríamos de participar dessa questão da loucura. Mas não é nosso objetivo tecer considerações outras sobre a Doença Mental além dos limites da medicina, da psiquiatria e da psicopatologia.
Popularmente ou culturalmente, o problema da Doença Mental, notadamente daquela doença mental responsável pela superlotação dos hospitais psiquiátricos, resume-se à alguém cujo comportamento difere dos demais e é capaz de provocar algum grau de ansiedade e constrangimento social. Para o diagnóstico médico, entretanto, não basta o incômodo social ou familiar.
Existe uma notória reivindicação da sociedade em geral, e da família em particular, para a reclusão e tratamento asilar das pessoas consideradas alienadas. O hospício torna-se, então, uma necessidade social para este tipo de doente mental, que nem sempre é o mesmo doente mental reconhecido pela psiquiatria. A internação é tão mais solicitada quanto maior o grau de estranheza produzido pela pessoa em seu meio.
Os critérios (culturais) de internação para a pessoa causadora de constrangimento e estranheza nem sempre tem levado em consideração o sofrimento denta pessoa, como acontece com as internações em outras especialidades médicas. Culturalmente a exclusão de nosso paciente do mundo dos normais prende-se, quase exclusivamente, ao aspecto comportamental. Portanto, nessa questão social da loucura o critério de diagnóstico é o ATO do paciente. Desta forma, grande parte das internações psiquiátricas tradicionais acaba atendendo muito mais a sociedade e/ou a família do que o paciente propriamente dito.
Na realidade, se fosse possível uma psiquiatria institucional livre e emancipada das pressões político-sociais, seriam internadas pessoas não apenas em decorrência de seus atos mas, sobretudo e principalmente, em razão de seus sofrimentos e suas limitações. Isso quer dizer que, enquanto a sociedade tem uma preocupação centrada exclusivamente no ato da pessoa, a psiquiatria se preocupa também e, predominantemente, com seus sentimentos.
Com frequência, as alterações emocionais e sentimentais que afetam a pessoa acabam por resultar em algum tipo de prejuízo nas condutas sociais e na realização pessoal. Não obstante, alguns dos mais sublimes e dolorosos sentimentos, como é o caso da angústia e da depressão, podem não provocar estranheza, preocupação ou sofrimento nos demais. Eles fazem sofrer apenas a pessoa.
Muitos pacientes deprimidos poderiam se beneficiar de uma internação psiquiátrica, mas como não incomodam acabam relegados à quase indiferença sócio-familiar. Seus atos, tímidos e retraídos, só incomodam à eles próprios. Esses pacientes apresentam uma maneira peculiar de viver e de sentir a vida, cuja compreensão evoca uma outra unidade de observação que não seja o ato; trata-se de considerar aqui o sentimento.
Desta forma, o conceito de Doença Mental leigo, julga a sanidade do indivíduo de acordo com seu comportamento, de acordo com sua adequação às conveniências sócio-culturais, tais como a obediência familiar, sucesso no sistema de produção, postura sexual, etc. Há, por outro lado, uma outra conceituação mais humanizada da Doença Mental e que interessa particularmente ao enfermo e ao profissional médico que o assiste. Sempre houve e continuará havendo, choques contundentes entre estas duas maneiras de entendimento da Doença Mental. Neste campo de batalha sofrem, além das vítimas envolvidas, também o profissional da saúde mental. Este estudioso da psicopatologia vê seus conceitos científicos brutalmente deturpados por interesses sócio-culturais que ultrapassam a seara de sua ciência.
Não é possível a psicopatologia sem que haja reconhecimento da Doença Mental. Embora possa parecer, a negação da doença mental não é tão absurda considerando-se alguns esdruxulismos da antipsiquiatria da década de 1960. Este tipo de cegueira científica assume aspectos hilariantes quando transportadas para outras áreas da medicina; imagine-se algum dissidente inventando a anticardiologia, com o propósito de terminar de vez com todas cardiopatias, ou a anti-gastroenterologia, a anti-reumatologia, e assim por diante.
Houve até quem tenha proposto a extinção sumária e completa de todos hospitais psiquiátricos, como se isso bastasse para terminar de vez com os doentes mentais. A extinção dos hospitais psiquiátricos ocorreu na Itália, em torno de 1975 e os doentes mentais continuaram existindo, porém, mais abandonados que antes. Seria o mesmo que propor a extinção de todas as maternidades para controlar definitivamente a natalidade. Ou seja, algum intelectóide excêntrico tenta matar o vírus da má utilização social da psiquiatria defendendo a eutanásia desta área da ciência.
Dizer que a esquizofrenia é uma situação de crise microsocial, ou que a loucura é sempre uma viagem que liberta e enriquece a pessoa, representam tentativas frustras de negar o conceito de Doença Mental. O entusiasmo por esta tirania retórica é tanto, a ponto de Cooper não titubear em afirmar que não há a nenhuma evidência inequívoca para apoiar a inclusão da esquizofrenia como entidade mórbida no campo da nosologia médica. Talvez o esquizofrênico pertença à área da ortopedia. Ou, talvez devêssemos recuar uns quatrocentos anos e incluir esses tropeços emocionais na esfera da demonologia, esquecendo de vez toda esta história de neurotransmissores e neuroreceptores.
Normalmente estas posturas discursivas, avessas à ciência, garantem uma certa notoriedade aos seus autores pelo esdruxulismo das afirmações. As alegações exóticas garantem um consultório e agenda cheias e, ao mesmo tempo, refletem conclusões de pessoas cuja erudição está muito mais atrelada à literatura romântica que à prática médica da loucura. De qualquer maneira, a ficção sempre nos atraiu e não deixa de ser um exercício de pródiga imaginação. São vocações para Sancho Pança.
Uma das peculiaridades da psicopatologia é o duplo aspecto com que os distúrbios psíquicos se manifestam: alterações quantitativas e alterações qualitativas. Na obstetrícia, por exemplo, existem apenas alterações qualitativas: a mulher está grávida ou não está grávida. Também na dermatologia, a pele está íntegra ou lesada, da mesma forma na ortopedia, na reumatologia, na neurologia e assim por diante. O paciente psiquiátrico, por sua vez, pode apresentar uma alteração na qualidade do ser, ao lado de uma alteração na quantidade do fenômeno psicopatológico.
A angústia e a depressão, por exemplo, são acontecimentos psíquicos experimentados por todos indivíduos da espécie humana em maior ou menor grau, ao menos em algum momento da vida (quando não, sempre). Porém, em algumas situações estes sentimentos podem aparecer em quantidade que ultrapassa os limites considerados estatisticamente comuns, além de causarem sofrimento. Neste ponto tais sentimentos serão considerados mórbidos e patológicos.
A normalidade mental está solidamente atrelada à capacidade de adaptação; adaptação existencial, social, às mudanças e ao novo. Além disso, fala-se também na associação da adaptação com a felicidade e prazer, além da adequação ao universo cultural, sem o qual o ser humano é nada. Finalmente, a normalidade implica na ausência de sentimentos desagradáveis, como o medo, a culpa e a ansiedade, angústia e outros estados emocionais sofríveis.
Em relação ao elemento qualitativo dos fenômenos psíquicos, o conceito de patológico consegue uma certa concordância cultural. Um delírio, por exemplo, não é um fenômeno que acontece no psiquismo da maioria das pessoas, como acontece com a angústia ou com a depressão, portanto, sua existência não se prende à uma variação da quantidade de sintomas compreensíveis e habituais, mas sim, uma qualidade nova, um novo fenômeno psíquico. Da mesma forma a alucinação, a confusão mental, a demência, etc.
O diagnóstico compreende os processos e procedimentos que, com base em observação cuidadosa das características clínicas de uma pessoa doente e a coleta de informação relevante advinda de fontes diversas permitem a categorização de uma condição clínica e a formulação de hipóteses etiológicas e patogênicas. Um diagnóstico deve ser válido e reprodutível, além de apresentar boa sensibilidade e especificidade.
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O Conceito de Normalidade
“A normalidade é concebida, por um lado, como a ausência de patologia, e , por outro, como a conformidade com o tipo médio. Vale ressaltar que a média é uma medida estatística, puramente descritiva e operacional, que tende a ser considerada como regra e como valor, podendo proporcionar uma interpretação equivocada, uma vez que não leva em conta as singularidades, as dissidências e as anomalias, baseando-se em valores atribuídos ao indivíduo e ao comportamento, cuja função é avaliar e detectar a utilidade social das condutas e dos indivíduos.
No quadro de conceituação da normalidade, existem diversos referenciais que podem ser considerados como critério para a diferenciação entre o normal e o patológico. Entre eles, podemos mencionar, as quatro principais perspectivas do enfoque das ciências comportamentais e sociais para à normalidade, formuladas por Offer e Dabshin. São elas:
– Normalidade como saúde: é fundamentado no enfoque psiquiátrico tradicional que diferencia saúde e de doença. “A maioria dos médicos iguala normalidade com saúde, e vêem a saúde como um fenômeno quase universal”. Entende-se, desta maneira, que os sinais e os sintomas que estejam em “desajuste” com o que é comum (ou normal), são um sinal de que algo está errado (ou é anormal). Por outro lado, a falta de sinais e sintomas indicaria um organismo saudável.
– Normalidade como utopia: é a uma noção de normalidade baseada em uma conjunção harmoniosa e plena do sistema nervoso, funcionando de maneira excelente. Essa concepção é derivada de uma vertente da psiquiatria e da psicanálise que tratam sobre a pessoa ideal ou sobre o tratamento mais eficaz. Ou seja, algo teorizável, entretanto inconcebível.
– Normalidade como média: é baseada em uma média estatística dos estudos normativos do comportamento, na qual traços da personalidade são entendidos como um meio de medida estatística ou de medida padronizada do comportamento, como no psicodiagnóstico.
A variabilidade restringe-se ao contexto de grupos e não no contexto singular. “Neste modelo presume-se que as tipologias de caráter podem ser medidas estatisticamente”.
– Normalidade como processo: admite esta concepção que o comportamento está relacionado a situações ou a fases de desenvolvimento da personalidade, cada estágio é possuidor de características intrínsecas. A temporalidade é essencial para uma definição completa de normalidade.
A teoria que mais caracteriza esta visão é a de Erik Erikson, que aborda os oito estágios evolutivos imprescindíveis para a conquista de um funcionamento adulto maduro, onde o comportamento normal é caracterizado como o resultado final de sistemas que interagem entre si.”
Adaptação Transcultural
Pesquisa em saúde mental é o nome do artigo de Miguel R. Jorge publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria e aborda a questão do diagnóstico em psiquiatria e as variáveis culturais. Veja um trecho:
“Na ausência de marcadores biológicos, o diagnóstico psiquiátrico é eminentemente clínico, isto é, baseado no contato pessoal entre o psiquiatra e o paciente, e implica em uma série de mecanismos interpretativos que incluem a análise da contribuição de fatores culturais na formação dos sintomas, sua expressão manifesta ou latente, e o quanto devem ser considerados verdadeiros sintomas ou variações de hábitos, costumes e crenças culturalmente aceitas….
… A avaliação de determinadas funções e sintomas psíquicos pode mostrar-se particularmente difícil em diferentes grupos culturais e étnicos, ou com diferentes padrões lingüísticos, sociais e educacionais.
Apenas a título de ilustração, podemos citar algumas condições de difícil avaliação: a orientação no tempo e no espaço quando o indivíduo utiliza um referencial distinto, próprio; o que seja comportamento excêntrico ou peculiar se o entrevistador não estiver integralmente familiarizado com o contexto cultural do indivíduo; a distinção entre delírios e crenças religiosas ou culturais, entre outros….
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Impacto dos Transtornos Mentais
Os Transtornos Mentais e Comportamentais exercem considerável impacto sobre os indivíduos, as famílias e as comunidades. Os indivíduos não só apresentam sintomas inquietadores de seu distúrbio como sofrem também por estarem incapacitados de participar em atividades de trabalho e lazer, muitas vezes em virtude de discriminação. Eles se preocupam pelo fato de não poderem arcar com suas responsabilidades para com a família e os amigos, e temem ser um fardo para os outros.
Segundo estimativas, uma em quatro famílias tem pelo menos um membro que sofre atualmente um transtorno mental ou comportamental. Essas familias sentem-se obrigadas não só a proporcionar apoio físico e emocional, como também a arcar com o impacto negativo da estigmatização e da discriminação, presentes em todas as partes do mundo. Embora o ônus da atenção a um familiar com distúrbio mental ou de comportamento não tenha sido adequadamente estudado, indicações disponíveis parecem mostrar que essa carga é realmente substancial.
Os encargos que recaem sobre a família vão desde as dificuldades econômicas até as reações emocionais às doenças, ao estresse em face de um comportamento perturbado e ao comprometimento da rotina doméstica e restrição das atividádes sociais. Os gastos com o tratamento de doenças mentais recaem, muitas vezes, sobre a família, seja por não haver seguro disponível, seja porque o seguro não cobre os Transtornos Mentais. Além da carga diretamente relacionada aos Transtornos Mentais e Comportamentais, é preciso levar em conta as oportunidades perdidas.
As famílias que têm um membro que sofre um distúrbio mental fazem diversos ajustes e assumem compromissos que impedem outros membros da família atingir o seu pleno potencial no trabalho, nas relações sociais e no lazer. Esses são os aspectos humanos do ônus dos Transtornos Mentais difíceis de avaliar e quantificar, não obstante, são muito importantes. As famílias se vêm na contingência de dedicar uma parcela considerável do seu tempo para cuidar de um parente mentalmente enfermo, sofrem privações econômicas e sociais por não ser esse membro familiar inteiramente produtivo.
Há ainda o constante temor de que a recorrência da doença possa causar perturbação repentina e inesperada na vida dos membros da família. Portanto, é grande e com múltiplos aspectos o impacto dos Transtornos Mentais sobre as comunidades. Há o custo da provisão de atenção, a perda de produtividade e certos problemas legais, incluindo a violência, associados com alguns Transtornos Mentais, embora a violência seja causada muito mais freqüentemente por pessoas “normais” do que por indivíduos com Transtornos Mentais.
Impacto na Qualidade de Vida
Os Transtornos Mentais e Comportamentais causam tremendos distúrbios na vida daqueles que são afetados e de suas famílias. Embora não seja possível medir toda a gama de sofrimento e infelicidade, um dos métodos de aferir o seu impacto é usar instrumentos que medem a qualidade da vida (QDV). As medidas de QDV usam classificações subjetivas do indivíduo em diversas áreas, procurando avaliar o impacto dos sintomas e dos transtornos sobre a vida.
Há diversos estudos sobre a qualidade da vida das pessoas que sofrem distúrbios mentais, os quais concluem que o impacto negativo, embora não seja substancial, é sustentado. Já se demonstrou que a qualidade da vida continua sendo baixa, mesmo depois da recuperação de Transtornos Mentais, em virtude de fatores sociais que incluem a persistência do estigma e da discriminação. Resultados de estudos de QDV indicam também que os indivíduos com Transtornos Mentais graves que vivem em hospitais psiquiátricos de atenção prolongada, têm uma qualidade de vida mais baixa do que os que vivem na comunìdade.
Um estudo recente demonstrou claramente que o não atendimento das necessidades sociais e de funcionamento básicas foram os mais importantes previsores de uma baixa qualidade de vida entre pessoas com Transtornos Mentais graves. O impacto sobre a qualidade da vida não fica limitado aos transtornos mentais graves. Os transtornos da ansiedade e do pânico também têm efeito significativo, especialmente no que se refere ao funcionamento psicológico.
Comorbidade
É muito comum a ocorrência simultânea de dois ou mais transtornos mentais no mesmo indivíduo. Isso não é muito diferente da situação dos transtornos físicos, que tendem também a ocorrer juntos, muito mais freqüentemente do que poderia ser explicado pelo acaso.
A ocorrência simultânea de dois ou mais transtornos mentais no mesmo indivíduo é particularmente comum com o passar da idade, quando diversos transtornos físicos e mentais podem ocorrer juntos. Os problemas de saúde física podem, não somente coexistir com distúrbios mentais como a depressão, como também prognosticar o início e a persistência da Depressão.
Dentre os estudos metodologicamente válidos de amostras representativas nacionais, um foi feito nos Estados Unidos (Kessler et al. 1994) e mostrou que 79% de todos os enfermos apresentavam comorbidade. Em outras palavras, somente em 21% dos pacientes se verificou a ocorrência de um transtorno mental isolado. Mais da metade dos transtornos de toda a vida ocorreu em 14% da população. Achados semelhantes foram obtidos em estudos de outros países, embora não seja copiosa a informação disponível dos países em desenvolvimento.
A Ansiedade e os Distúrbios Depressivos freqüentemente ocorrem juntos. Observa-se essa comorbidade em aproximadamente metade das pessoas com esses transtornos.
Outra situação comum é a presença de transtornos mentais associados com o uso e a dependência de substâncias. Entre pessoas atendidas por serviços relacionados com o uso de álcool e drogas, entre 30% e 90% apresentam um transtorno duplo. A taxa de transtornos devidos ao uso de álcool é também elevada entre os que buscam serviços de saúde mental, que é de 65%, segundo comunicação de Rachliesel et al. Os transtornos devidos ao uso de álcool são também comuns (12-50%) entre pessoas com esquizofrenia.
A presença de comorbidade substancial tem sérias repercussões na identificação, tratamento e reabilitação das pessoas afetadas. A incapacidade dos indivíduos sofredores e o encargo para as famílias também crescem na mesma proporção.
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O diagnóstico psiquiátrico é sempre um diagnóstico médico
De modo a facilitar o reconhecimento da possibilidade de Doença Mental, assim como faz a medicina geral em relação às demais doenças, podemos aceitar a utilização de dois critérios a serem utilizados conjuntamente e articuladamente uns com os outros:
I – o critério estatístico e;
II – o critério valorativo.
1 – Critério Estatístico
Pelo critério estatístico, normal seria o mais frequente numericamente definido, aquilo que é compatível com a maioria. Na medicina, de um modo geral, ao se estabelecer a dosagem de glicose normal no sangue das pessoas, verificou-se a média das dosagens num grupo de indivíduos tomando-a como padrão de normalidade. Estatisticamente normal, se diz, da mesma forma como se fez com tantos outros parâmetros antropológicos de normalidades: pulsação, tensão arterial, correspondência peso-altura, duração do ciclo menstrual, acuidade visual, etc.
Evidentemente, nenhuma das cifras biológicas do estatisticamente normal tem um valor absolutamente rígido e definitivo, pois, como sabemos, o ser humano não é um arranjo matemático e estatístico. Existem faixas de normalidade, ou seja, o normal fica situado entre este e aquele valor. É o caso da glicemia, por exemplo, com o normal entre 80 e 99 mg%, ou a frequência cardíaca, com o normal entre 70 e 90 batimentos por minuto.
Dentro deste critério estatístico, devemos ter em mente o seguinte: nem sempre o habitual é normal ou ainda, nem sempre o excepcional é patológico. Portanto, as exceções à regra estatística devem ser valorizadas de forma a tornar este critério apenas relativamente válido, se considerado isoladamente. Os dentes cariados, por exemplo, embora muito freqüentes e habituais não são dentes normais. Este caso, de exceção do critério estatístico, quando trazido para a psicopatologia, pode despertar enganos grosseiros.
Há uma tendência íntima, imperceptível e enganosa, em considerar-se normais todas as reações emocionais que se consegue compreender e que, ao mesmo tempo, possam ser habituais nos indivíduos submetidos à determinados estímulos. Porém, como se vê, não será pelo simples fato de tal reação ser muito freqüente, ou ser compreensível que, automaticamente, deva ser considerada normal. Uma mocinha, por exemplo, que “desmaia” diante do estresse de presenciar uma briga ferrenha entre seus pais, embora seja compreensível, não é normal pois, como diz os padrões médicos, o “desmaio” ou a perda de consciência jamais poderá ser considerado uma situação normal.
De outra forma, vamos considerar a gravidez de gêmeos como exemplo de exceção à regra estatística; embora não seja habitual, a gravidez de gêmeos jamais poderá ser considerada patológica. O mesmo raciocínio se aplica ao QI de 140 ou à alguma habilidade pródiga de memória, ambos considerados qualidades incomuns, entretanto, não poderiam ser consideradas patológicas por causa disso. No máximo podemos falar em não-normal para estes casos, mas o termo doença não se encaixa aqui.
De um modo geral, o critério estatístico deve servir para destacar da população o não-habitual, o diferente ou o não-normal e, isoladamente, isso não é suficiente para autorizar declarar este incomum como doença. O próprio sistema cultural vigente se incumbe de argüir os comportamentos que excedem os limites da suposta faixa de normalidade e os pensamentos que escapam de uma pretendida faixa de coerência e realismo.
Desta forma, ou seja, estatisticamente, os comportamentos podem ser considerados bizarros, inadequados, esquisitos, aberrantes, etc, ou os pensamentos podem ser classificados como incoerentes, sem nexo, irreais. As afirmações populares de que “… fulano não fala coisa-com-coisa…” ou que “… fulano se comporta de maneira estranha” são avaliações motivadas pelo critério estatístico.
É importante sublinhar a ausência de um ponto fixo e bem delimitado de normalidade para o ser humano em relação à sua postura diante da vida. Há sim, uma faixa de normalidade para sua maneira de existir, da mesma forma como existe uma faixa de normalidade para tantos outros parâmetros antropológicos.
Esta tal faixa de normalidade pode ser bastante ampla e elástica, dependendo das concepções e tolerâncias do sistema sócio-cultural, porém, mesmo considerando esta flexibilidade, ela sempre terá limites. São limites além dos quais o indivíduo passa a produzir estranheza em seu ambiente. Uma pessoa levada a uma Unidade Psiquiátrica de Urgência por estar andando nua pela rua, por exemplo, poderá alegar que faz isso devido ao calor ou porque é carnaval e, habitualmente nesta época a TV mostra publicamente tantas cenas de nudez… , sendo ele apenas mais um carnavalesco, achar-se no direito de também desnudar-se.
Pelo critério estatísticos a sociedade percebe logo que esta pessoa difere da maioria que anda vestida, portanto, pode-se dizer que sob esta ótica ele é não-normal. A faixa de tolerância de normalidade reconhecida pelo sistema é ampla e pode autorizá-lo a andar de terno, sem paletó, sem gravata, sem camisa, de bermudas, de calção, de shorts ou até de maiô, nu porém, foge da faixa de tolerância aceitável pelo sistema sócio-cultural. Trata-se de uma questão comportamental.
Outro exemplo sugestivo da utilização do critério estatístico, agora no que diz respeito aos sentimentos, pode ser observado no caso da perda de um ente querido. Digamos que a maioria da população experimenta uma reação de luto e perda com depressão, angústia, ansiedade, etc, durante um determinado período que se tem em mente. Existem pessoas que reagem a esta perda por um período muitas vezes mais prolongado, afastando-se pois, da maioria dos outros indivíduos submetidos ao mesmo estímulo ou à mesma situação de perda. Muito embora tais sentimentos possam ser perfeitamente compreensíveis diante da situação, mesmo assim esta reação será incomum ou não-normal. Isso, do ponto de vista da intensidade e duração.
O critério estatístico em psicopatologia, tem um valor complementar e coadjuvante e deve servir apenas como um parâmetro de não-normalidade. Juntamente com esta suspeita estatística do não-normal, devemos considerar um complexo conjunto de circunstâncias associadas à não-normalidade em pauta, como por exemplo, as contínuas alterações dos padrões que regem a vida em sociedade, os hábitos sociais, o sítio temporal e social em que se insere o indivíduo e, principalmente, o contexto existencial que reveste a vivência em apreço.
É fato sabido o grande número de sintomas anteriormente considerados neuróticos que hoje aparecem em 90% da população como parte da modernidade da vida, portanto, trata-se de uma relatividade temporal da sintomatologia neurótica. Da mesma forma, existem determinadas atitudes perfeitamente aceitas em certas culturas e consideradas aberrantes em outras. Também uma espécie de relatividade cultural da morbidade neurótica.
Além destas duas variáveis do critério estatístico (a relatividade temporal e cultural), sabemos que, de acordo com determinadas exigências situacionais extremas, indivíduos psiquicamente normais podem atuar de maneira tal que, em outras circunstância mais suaves, seriam considerados francamente patológicos. É, por exemplo, o caso da antropofagia registrada em acidentes excepcionais. Mais uma relatividade dos critérios, neste caso, situacional.
Assim sendo, o critério estatístico somente terá valor depois de consideradas todas as variáveis: situacionais, sócio-culturais, temporais e existenciais. Por isso, não deve ser atribuído à este sistema de ajuizamento um caráter decisório mas sim, subsidiário, o qual só terá valor se for considerado conjuntamente com os demais.
2 – Critério Valorativo
Um dos traços peculiares do ser humano talvez seja o desejo de ser diferente e destacar-se dos demais, sobressair-se da média e sair do medíocre. Considerando-se essa perspectiva da natureza humana de forma absoluta e isolada, podemos entendê-la erroneamente como uma flagrante contradição ao primeiro critério, o estatístico. Para melhor entender essa diversidade entre as pessoas a qual, apesar de desejável, poderia correr o risco de ser considerada não-normal (pelo critério estatístico), devemos ter em mente a idéia valorativa da doença.
Saúde é o funcionamento do indivíduo considerado ideal. Aqui a quantidade dá lugar à qualidade. Aceitando-se a idéia de que o termo doença implica sempre em prejuízo e morbidade, em não havendo prejuízo ao indivíduo, ao seus semelhantes e ao sistema sócio-cultural, toda tentativa de ser diferente e destacar-se dos demais deverá ser sadia e desejável.
No critério valorativo interessa o valor que o sistema sócio-cultural atribui à maneira do indivíduo existir. Para não confundirmos este valor, o qual emana do sistema sócio-cultural como se fosse uma atribuição tirânica de normas, sugerido pelo discurso da antipsiquiatria, reconhece-se o conjunto valorativo do sistema como alguma coisa muito abrangente; os valores abrangem desde as concepções éticas, estéticas, morais, até as concepções científicas e fisiológicas. E o próprio sistema não deve ser considerado um bicho-papão, mas algo do qual todos fazemos parte, de uma maneira ou de outra.
Enquanto o critério estatístico utiliza termos, tais como, incomum, infrequente, desproporcional, raro, fora do comum ou diferente, no critério valorativo os adjetivos serão outros. Esses termos dizem mais respeito à qualidade que à quantidade: mórbido, nocivo, indesejável, prejudicial, degenerado, deficiente, sofrível, cruel, irracional, desadaptado e assim por diante.
A Organização Mundial de Saúde diz que o estado completo de bem estar físico, mental e social define o que é saúde, portanto, tal conceito implica num critério valorativo, já que, tanto bem-estar quanto mal-estar, dizem respeito à valores. A depressão, por exemplo, tem ocorrência universal e, por isso, poderia até ser considerada normal (de tão habitual), do ponto de vista estatístico. Porém, devido ao fato de tratar-se de um afeto inegavelmente desagradável, sugere uma qualidade de valor e o tanto ou o grau de sofrimento proporcionado pelo fenômeno depressivo definirá a doença.
Vejamos o exemplo de uma pessoa com o QI alto e uma outra com QI baixo. Ambos são incomuns e fogem ao normal, ambos são não-normais do ponto de vista estatístico. Este critério só nos permite ir até esta afirmação, já o critério valorativo determinará qual dos dois é o doente. A julgar em qual dos dois casos há mais sofrimento, seja do paciente ou daqueles que o rodeiam, certamente o oligofrênico ou retardado será o patológico, jamais o gênio. E, de fato, na Classificação Internacional de Doenças (CID) aparece apenas a Deficiência Mental (oligofrenia) entre seus ítens, a genialidade não é classificada.
A prática psiquiátrica tem mostrado que a sociedade participa de forma atuante, significativamente atuante, no julgamento dos valores atrelados à existência do indivíduo. A psicopatologia, por outro lado, vê o ser humano com olhos mais científicos, mais compreensivos e criteriosos. O conjunto de valores sociais nem sempre tem se mostrado consoante aos valores da psicopatologia. Há avaliações viciosas na escala dos valores enaltecidos pela sociedade.
O sucesso, por exemplo, pode ofuscar importantes distúrbios da personalidade, tamanho o glamour que recebe da sociedade. A obsessão pode ser confundida com a dedicação, o fanatismo com a fidelidade, a fobia com a precaução, a depressão com a responsabilidade e a paranóia com o idealismo. Por outro lado, a contestação, o protesto, a reflexão e a autenticidade também podem despertar considerações pouco elogiosas da sociedade em termos de sanidade.
Diz respeito ao critério valorativo, também, o maior ou menor comprometimento das funções psíquicas; a precariedade do contacto com a realidade, a confusão mental, os distúrbios de memória, a agressão em suas várias formas, etc. Talvez o elemento decisório para o critério valorativo é a arguição do porque da atitude humana e não apenas de como o indivíduo é capaz desta ou daquela atitude.
Para a psicopatologia e para a psiquiatria, pouco importa se indivíduo é submetido ou revoltado diante da sociedade. Interessa, de fato, saber se esta submissão ou esta revolta é fruto de uma fixação, de um automatismo mental, de uma regressão patológica, de uma agressividade irracional ou se, pelo contrário, trata-se de uma posição criativa ou de uma consciência que constrói sua história numa orientação intencional.
Em outras palavras, interessa à psicopatologia, saber se a postura do indivíduo é patológica ou meritosa. Como analogia didática com outras área médicas, podemos dizer que não nos interessa saber apenas se o indivíduo emagrece, mas sobretudo, se ele emagrece porque faz dieta ou porque está com câncer.
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para referir:
Ballone GJ – Diagnóstico em psiquiatria – in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.net, revisto em 2019
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2- SZASZ T – O Mito da Doença Mental, Zahar, RJ, 1979
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4- KAPLAN HI, SADOCK BJ – Compêndio de Psiquiatria, Artes Médicas, P.Alegre, 1990.
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6- AZZI E – Psiquiatria e Liberdade, in.Psiquiatria e Saúde Mental, Knobel,M. & Saidemberg,S., Autores Associados, SP, 1983
7- PERESTRELLO D – A Medicina da Pessoa, Atheneu, SP, 1982
8 – GOLDBERG DP, LECRUBIER Y – Form and frequency of mental disorders across centres. In Üstün TB, Santorius N, orgs Mental ilness in general care: na international study. Chichester, John Wiley & Sons para a OMS: 332-334, 1995.
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