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O ficcioso “manual de abordagem terapêutica para traídos e traidores” diz que nem sempre apenas as más atitudes resultam em descontentamentos conjugais. As não-atitudes, a não-participação, a apatia, descaso, desinteresse e até o silêncio agressivo também facilitam a traição.
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Mágoa, contrariedade, ira, arrependimento, ânsia de vingança, revanche… em geral, nessa fase da traição os sentimentos não são bem definidos.
Entre as vivências capazes de desencadear reações depressivas, o conhecimento da traição é uma das mais fortes. Geralmente a pessoa traída ou deixada se mobiliza fortemente pela frustração da perda, pela constatação da mentira, pela deslealdade e, não menos importante, pelo vexame e constrangimento sociais e familiar.
O sentimento mais imediato que a infidelidade provoca, no entanto, é uma mistura de mágoa, contrariedade, ira, arrependimento, ânsia de vingança ou revanche. Em geral, nessa fase de enorme ebulição emocional e frustração os sentimentos não são bem definidos, alternando-se de um para outro, da mágoa para a raiva, do arrependimento para a vingança, da sensação de impotência para o desespero da reconquista. “Fiquei sem chão...”, “… meu mundo acabou”, são as expressões mais ouvidas nessas circunstâncias.
A descoberta da infidelidade pode ser uma das mais sofríveis e devastadoras vivências. A constatação da deslealdade no relacionamento causa um sofrimento proporcional à solidez da convicção prévia de que a exclusividade e lealdade eram garantidas. Nessas situações, mais importante que a ideia do contato físico da pessoa infiel com a outra, é o sentimento de decepção. Isso pode produzir um desencanto muitas vezes definitivo. Pode até existir uma espécie de perdão… mas a desilusão, desapontamento e decepção ficam.
Depois do estressante choque inicial a pessoa deverá passar para a fase de adaptação. Essa fase, embora seja diferentemente vivenciada de pessoa a pessoa, costuma ser bastante demorada. Do estresse inicial a pessoa passa a apresentar um quadro francamente depressivo. Trata-se de uma reação depressiva, diferente dos casos de depressão maior, de natureza biológica, constitucional, crônica e antiga.
No caso da depressão pós-traição sua origem é vivencial, portanto, vem daí a expressão Reação Depressiva. A sintomatologia é geralmente típica, como desinteresse, desânimo, perda de prazer com as coisas, apatia, tristeza, irritabilidade. Pode haver alteração do sono, do apetite e do peso.
A base da infidelidade é essencialmente multifatorial, mas um dos fatores muito comum é o enfraquecimento do relacionamento, comumente referido como “desgaste da relação”. Sem dúvida, a disponibilidade plena, a constância e a acomodação são os determinantes importantes do entorpecimento da relação.
Mais uma grande responsável pela avassaladora decepção da pessoa traída é uma crença irremovível e incondicional no ser humano, implicando erroneamente em uma reciprocidade automática. Normalmente as pessoas costumam fazer para as outras aquilo que desejariam para si mesmas, como uma espécie de barganha obrigatória. A certeza indevida de reciprocidade é tão forte que acaba turvando a razão para outras possibilidades, como por exemplo, os sentimentos íntimos da outra pessoa, sua insatisfação sobre o relacionamento, suas necessidades básicas e não atendidas de afeição…
De fato a fórmula para um bom relacionamento não é uma receita mágica, nem nova e nem misteriosa. Ela é muitíssimo conhecida e universalmente propalada aos quatro cantos: o amor é uma construção diária e precisa de cuidados constantes. Caso falte tal zelo, com o tempo a atração e os sentimentos podem ser cobertos pelo pó do dia-a-dia turvando o brilho de qualquer relacionamento.
Assim, muitas vezes a vontade de viver ou reviver o sentimento eloquente e antigo do amor, juntamente com o desejo de resgatar uma sexualidade prazerosa, mas esmaecida no cotidiano, acabam conduzindo a busca de tais necessidades em outra pessoa que não o cônjuge. O termo “necessidades” usado aqui é absolutamente preciso nesse contexto.
Existem outras necessidades além do sexo e de natureza mais pessoais ou até mesmo universais para a manutenção de um relacionamento sadio. Sentir-se uma pessoa admirada, gostada, desejada, atraente e interessante são estímulos que falam muito alto. A terceira outra pessoa pode ter muitas chances de conquista se agir assim.
Um dos grandes riscos de perder a relação é quando a pessoa nutre sentimentos de ser sempre e plenamente suficiente ao outro, quando aposta que seus defeitos não são significativos ou, pior, que eles devem ser afetuosamente suportados pelo outro em nome do amor. Essas pessoas, quando traídas ou deixadas, promovem uma verdadeira revolução em suas vidas e na maneira de ser, provando assim que a falta ou a insignificância dos defeitos era uma fraude. Talvez, se tivessem procedido as correções dos defeitos “que não tinham” antes da separação esta nem teria ocorrido.
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Indícios de traição
O site Terra – Mulher publicou uma lista de 15 sinais preditivos de iminente traição masculina ou traição já consolidada. Tenha ou não validade, no mínimo é interessante e divertido. Veja:
1) O parceiro começa a dizer que precisa de um espaço só dele, sendo que antes o casal fazia tudo junto
2) Começam as reuniões com os amigos, onde a presença do outro é totalmente dispensável e imprópria
3) Ele está mais interessado em comprar roupas novas ou há momentos em que sai de casa mais arrumado para fazer ações banais, como “tomar um ar”
4) Seu parceiro há algum tempo começou a trabalhar até tarde e a ter reuniões no final de semana, mesmo sem mudança aparente no emprego
5) Ele tem se irritado ou fica estressado com facilidade
6) Mudança no comportamento: ele está mais amável do que o normal ou então você percebe que muitas vezes tem ficado como segundo plano
7) Sempre que está ao seu lado e o celular dele toca ele fica sobressaltado ou quer ficar sozinho para atendê-lo
8) Quando você telefona dificilmente consegue falar com ele.
9) O apetite sexual dele mudou. O tempo todo está ocupado ou cansado demais para você ou então de uma hora para outra quer fazer sexo a todo instante com medo de que você perceba que ele tem outra
10) Ele começa a chegar sempre atrasado em compromissos
11) Ele tem crises excessivas de ciúmes
12) Quando chegam as contas, ele trata de pegá-las rapidinho para esconder gastos com telefonemas pelo celular ou com cartões de crédito em restaurantes, motéis, presentes para a amante
13) Ele critica outros infiéis
14) Ele se incomoda de ver você muito quieta, com medo que você desconfie da traição
15) Ele começa a achar tudo caro e costuma dizer com frequência que vocês precisam fazer passeios mais baratos para economizar dinheiro.
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Abordagem terapêutica
A ideia da co-participação do casal, ou da co-responsabilidade na qualidade do relacionamento é uma ideia interessante e deve ser melhor explorada nas terapias que fazem parte do tratamento dessa Reação Depressiva à traição. Assim, a infidelidade deve ser abordada obrigatoriamente como um problema do casal e não apenas daquele que traiu ou apenas de quem sofreu a traição.
Se o casal procura ajuda porque está passando por um período turbulento, ou seja, antes da infidelidade propriamente dita acontecer, a atenção deve ser dirigida para a quase certa quebra do pacto que existia entre o casal. Essa quebra do contrato pode dever-se a uma ou ambas pessoas.
Nesses casos uma pessoa ou as duas sentiram suas expectativas frustradas, sentiram-se traídas no projeto amoroso, independente da traição conjugal e literal já ter acontecido ou não. Não se fala aqui em tratar a traição ou a separação porque, obviamente, não se tratar de doença.
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O desgaste
A frustração, que é o sentimento causado por um desejo não plenamente satisfeito ou um inesperado não desejado, é que motiva a Reação Depressiva. Essa dinâmica frustração-depressão não é exclusiva dos casos de traição, evidentemente, embora atualmente seja a justificativa mais aceita para a crescente incidência de quadros depressivos. Seres humanos estão cada vez mais frustrados.
Pode haver também uma relação entre o cotidiano social atribulado e o desgaste das relações interpessoais conjugais. De fato o cotidiano é, sobretudo, ávido por nosso ser. Ele, o cotidiano, se apossa da pessoa submetendo-a à tirania de “ter que”; ter que ir ao banco, ter que comprar isso e aquilo, ter que responder e-mails, cumprir compromissos, enfim, sempre se tem que fazer alguma coisa que acaba distanciando uma pessoa da outra. Por sinal, devido a disponibilidade total da outra pessoa, acredita-se erradamente que ela pode esperar quando não se tem mais nada que fazer.
Neste panorama se o casal não estiver atento a infindável sucessão de “ter que” o cotidiano sugará toda energia necessária ao bom relacionamento. A mesmice cruel do cotidiano acaba anestesiando a percepção da outra pessoa como alguém com sentimentos, desejos, sonhos, necessidades e sensibilidades próprias. A situação entediante proporcionada pelo passar do tempo continua sem iniciativas de correção porque existe a crença de um contrato cultural vigente garantindo que um, de fato, pertence ao outro.
Nessa fase as conversas vão minguando e se limitam aos desagradabilíssimos problemas domésticos. As preocupações e tema das conversas giram quase exclusivamente em torno do trabalho, da casa, empregada, filhos, problemas financeiros e de saúde, dos parentes. Tudo isso parece não existir em relação à terceira pessoa do fatídico triângulo.
No desgaste da relação muitas coisas verdadeiramente interessantes não são ditas, as frustrações se transformam em cobranças, em irritação, em desaforos dissimulados e o silêncio é capaz de machucar. O relacionamento passa a ser aquela mesmice morna e desinteressante, distante e gelado, apesar de ser politicamente educado.
Essa chatice do cotidiano de forma alguma é obrigatória, inexorável. Ela aparece quando o dia-a-dia é mal gerenciado, quando as pessoas se acomodam, se acovardam, amarelam e piora muito quando há desencantamento, desinteresse. Sem dúvida aqui se aplica o que a psiquiatria recomenda para a existência saudável: a pessoa deve estar sempre inconformada e sempre adaptada. Isso significa que por não estando conformada ela estará planejando algo para que seu amanhã seja melhor que o hoje. O fato de estar adaptada faz com que ela não adoeça por causa do inconformismo.
Assim sendo, a pessoa não deve se conformar com as crises de mau humor, com as irritações, grosserias, desleixos, descasos, negligências. Caso a pessoa se conforme e desanime estará colaborando para o preparo do fértil terreno da infidelidade.
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A traição
A traição pode ser consequência de tudo o que foi dito acima. De nada adianta a pessoa ficar espantada, surpresa, abismada com a traição, embora comumente, fisiologicamente e inevitavelmente essas sejam as reações das pessoas traídas. A infidelidade aparece naturalmente como consequência da perpetuação do erro e da desesperança.
Para as pessoas que sempre citam comparações esdrúxulas dizendo que apenas o ser humano trai e não os animais, é bom saber que, de fato, trair é uma condição humana por excelência. Evitar isso implica na pessoa procurar entender o mais rápido possível que está convivendo e se relacionando com “uma pessoa humana”, portanto, com alguém capaz de sentir, ressentir-se, aspirar, desejar, se magoar e, inclusive, capaz de trair, como qualquer outro humano.
De qualquer forma é bom saber que a traição está longe de ser uma fraqueza. Nem tampouco é um ato de coragem. Antes disso, é uma consequência, uma atitude fortuita e muitas vezes desesperada de sentir a vida, de sentir-se a si mesmo, principalmente quando esta vida parece estar se esvaindo pelos vãos dos dedos e não é mais encontrada junto da pessoa amada.
Em geral a traição reflete um verdadeiro descompasso afetivo entre o casal. Além dos desgastes cotidianos do relacionamento, vistos acima, o descompasso surge também quando um dos dois dirige quase toda a sua energia para alguma coisa externa ao relacionamento, proporcionando ao outro o sentimento de estar sendo deixado de lado.
Isso é comum no homem que se envolve demais com o trabalho ou na mulher com preferência exclusiva aos filhos. Por outro lado, se os dois têm interesses na mesma direção e na mesma intensidade, além de minimizar as possibilidades de problemas, pode até solidificar mais a relação.
Também as questões da carência emocional podem estimular a aspiração de arranjar uma outra pessoa capaz de atender os anseios e necessidades.
A opção de estar disponível para outra pessoa pode nascer, crescer e assumir proporções perigosas quando existe um desagradável sentimento de desvantagem existencial, própria de quem tem autoestima baixa.
Quando a pessoa experimenta o prazer esquecido de se sentir admirada, juntamente com a carência de motivos para admirar a outra pessoa, quando se sente preterida, deixada de lado, excessivamente criticada e reprimida, acontece a procura de alguem fora do relacionamento.
A necessidade de viver novos relacionamentos é forte quando a relação atual não preenche necessidades nem satisfaz desejos. Por conta da relação direta entre autoestima baixa e vulnerabilidade à traição, um dos focos do tratamento é no sentido de melhorar o estado afetivo.
A abordagem terapêutica de pacientes que procuram ajuda por viverem grandes conflitos intrapsíquicos sobre a traição visa melhorar a autoestima.
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Depressão e Relacionamento
A Depressão, seja leve, moderada ou grave, será sempre incapacitante em algum grau, principalmente se considerarmos a longa duração dos sintomas. Ao longo do tempo os sintomas depressivos podem provocar desdobramentos complicados e desgastantes para a família e para a pessoa.
As relações íntimas entre pessoas com depressão são mais tensas, estressantes, cheias de conflitos e de ciúmes do que entre pessoas não depressivas.
Autoestima baixa… pode ser o estopim
A autoestima é o reflexo da valoração afetiva que a pessoa faz de si mesma, sua auto avaliação existencial. Isso quer dizer que as oscilações do afeto, para mais ou para menos, acabam fazendo a pessoa se sentir muito bem ou muito mal consigo mesma e com sua própria vida.
Às vezes o relacionamento não proporciona boa autoestima e, ao contrário, pode até contribuir para a piora da mesma. Motivações subterrâneas podem contribuir para alguém minar a autoestima do outro através atitudes ou comentários pejorativos, porém dissimuladas ou falsamente amistosas, enfim, o resultado final do comportamento depreciativo é baixar a autoestima.
O ego da pessoa com baixa autoestima pode ter necessidades do se afirmar através de outra pessoa, pode até estimular a pessoa a testar sua capacidade de sedução sobre outras pessoas para se valorizar. Surge uma necessidade em se convencer ser desejável. O comportamento para testar tais necessidades favorece a vulnerabilidade à traição.
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Perfil da vítima
Uma conclusão interessante que se pode chegar durante a terapia de algumas pessoas envolvidas na traição é que quem traiu pode ser tão vítima quanto quem foi traído. Talvez, se a pessoa que traiu fosse atendida em suas necessidades afetivas básicas, nada teria acontecido.
Não há regras gerais nem generalizações, pois cada caso é um caso. Em geral poucas pessoas se consideram simplesmente traidoras. A maioria reclama das faltas no relacionamento que levaram à busca de outras formas de satisfação. Verdade ou não, e isso nem é tão importante, as relações duradouras acabam proporcionando cobranças de um lado e apatia do outro.
O cansaço crônico de algumas convivências duradouras e negligenciadas favorece a ideia de que uma relação nova possa restabelecer a alegria para a vida, uma autoestima mais sadia e resgate do prazer. A pessoa insatisfeita que procura situações mais agradáveis se depara algumas vezes com a sensação de culpa, embora seja capaz de detectar as necessidades internas que a levaram ao comportamento fugidio da relação. A pessoa insatisfeita sabe o que está buscando e o que quer preencher e, curiosamente, muitas vezes a outra pessoa também sabe disso, embora faça de conta que não sabe.
Se as condições que criam e mantém a frustração do relacionamento continuam pode, de fato, acontecer a infidelidade. Assim, as pessoas infiéis arriscam sem saber o que virá pela frente e muitas vezes agem por impulso, não consideram os abalos que a infidelidade pode provocar na vida do outro. Algumas vezes a traição é um acontecimento automático que simplesmente vai acontecendo ao sabor do tempo. Outras vezes é uma atitude racionalmente considerada e cujas consequências foram tidas preferíveis. Outras vezes ainda, trata-se de um entorpecimento afetivo que distancia pessoas da realidade, impulsionando-a por certa euforia de ter a possibilidade de mudança de vida.
Geralmente é muito difícil acreditar em quem diz que “não sabia, não percebia nada” e que a traição foi, de fato, totalmente uma surpresa. A postura de inocência e de não percepção do que estava acontecendo não isenta o traído de participação no evento, muito pelo contrário. Esse “eu não sabia de nada” pode representar total falta de cuidado para com o relacionamento, falta de interesse e atenção com o que se passa entre duas pessoas que dizem se amar.
Talvez a pessoa traída estivesse tão inebriada por crenças sobre a natureza pétrea de seu relacionamento que não seria capaz de ver o que se passava em sua volta. Com incômoda frequência vemos o traído como um homem voltado para o trabalho, para o dinheiro ou para seu papel social e, no caso da mulher, uma pessoa concentrada em sua vida pessoal, doméstica e dos filhos. Homens e mulheres deixados, seja por traição ou não, demoram a se adaptar ao ocorrido e geralmente não se conformam nunca mais, embora reconheçam, depois de algum tempo, terem perdoado. Essas pessoas costumam ficar revendo sistematicamente o passado em busca de onde foi que erraram, do que poderia ter sido feito e não foi.
Algumas pessoas, como foi dito, se dizem perplexas por terem sido pegas de surpresa, acreditando que estava tudo muito bem, que não havia motivos para a separação ou traição, que não mereciam essa situação, entretanto, quando desejam uma reaproximação ou reconquista, quase sempre prometem concretizar as mesmas mudanças que antes alegavam não ter. Ora, se sabem o que é necessário mudar para reconquistarem a pessoa amada, é porque sabiam que isso tudo poderia ter sido mudado antes. Em outras palavras, prometer mudanças significa que as coisas não estavam tão bem do jeito que estavam, portanto, não houve um acontecimento totalmente inesperado.
O universo psíquico humano sempre recorreu ao autoengano para alívio dos grandes conflitos e complexos. Nessas situações de separação também se recorre ao autoengano, na maioria das vezes inconscientemente. Deve ser enfatizado, mais uma vez, que as pessoas deixadas e que se sentem “perplexas por terem sido pegas de surpresa”, na realidade talvez não tenham observado bem os indícios do que estava para acontecer, tal como uma espécie de negação de fatos que não se quer ver.
Parece que a falsa convicção de um relacionamento que se manteria para todo o sempre e em quaisquer circunstâncias entorpece a sensibilidade para com o outro. Sexualmente considera-se que, em geral, a mulher tem atração pelo homem que ama e este, por sua vez, ama a mulher que nele desperta atração. Por isso, em geral, os homens temem que sua mulher faça sexo com outro homem e as mulheres, por sua vez, temem o envolvimento afetivo do parceiro, ou seja, temem que seu homem se apaixone por outra.
Há casos onde a pessoa traída tem fortes traços obsessivos, ou seja, tem tendência à preocupações excessivas, ruminação ansiosa de ideias, vocação ao perfeccionismo, tendência ao planejamento obsessivo de tudo na vida, logo, dificuldade em lidar com o plano B, que é motivada por competitividade acentuada… Nesses casos a traição pode desenvolver um indelével e perene sentimento de mágoa e vingança.
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O mito do relacionamento indissolúvel
Ao se juntar pelo amor o casal estabelece, silenciosa, consciente e inconscientemente, uma espécie de pacto ou trato que será a base para o futuro da vida a dois. Geralmente esse trato é o resultado de uma negociação prévia inconsciente e silenciosa desde os tempos de namoro, a qual vai se cristalizando na medida em que as situações vão surgindo. Assim, o namoro é a oportunidade para os parceiros expressarem as cláusulas desse trato; suas expectativas, seus limites, seus valores, para estabelecerem o que esperam do outro e o que não toleram dele.
Algumas vezes existem devaneios neste pacto, como por exemplo, o famoso “até que a morte os separe“. Só faltou acrescentar o termo igualmente fantasoso “incondicionalmente“. Aí sim o devaneio fica quase um delírio: “até que a morte os separe, incondicionalmente”. Ora, exceto as mães em relação aos seus filhos, e o inverso não se aplica, os seres humanos não aceitam absolutamente nada que tenha caráter incondicional.
O pacto silencioso e tirano forjado durante o namoro pode ser uma coisa interessante, entretanto, nem sempre esse trato é compreendido por ambas as partes da mesma maneira. Cada um considera justo esperar do outro atitudes em seu favor, como se a pessoa fosse obrigada a saber exatamente o que se deseja dela. Isso leva, na maioria das vezes, a uma grande decepção, pois ninguém pode viver exclusivamente para atender expectativas de outra pessoa.
Assim, honestamente, a pessoa deveria trazer para si a culpa por suas próprias expectativas em relação ao outro. Não se sabe como nem porquê um ser humano enamorado começa a imaginar que o outro deva adivinhar exatamente o que é importante para ele. Não se sabe como nem porquê esse mesmo ser humano constrói sua expectativa de felicidade exclusivamente dependente da pessoa com quem escolheu compartilhar a vida.
Geralmente a pessoa traída atribui a responsabilidade da traição ao traidor, obviamente, enquanto o traidor quase sempre atribui a responsabilidade pelo seu ato ao seu par, que vinha negligenciando o relacionamento há tempos.
A desagradável sensação de ter sido vítima da ousadia da outra pessoa, seja na traição ou separação, sempre convoca reflexões. Assim como o relacionamento se inicia invariavelmente com a participação e responsabilidade de duas pessoas, também a separação terá a participação invariável dessas mesmas duas pessoas.
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para referir:
Ballone GJ – Depressão Pós-Traição. in. PsiqWeb, Internet – disponível em http://www.psiqweb.net, 2020
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