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Quando existe um método, uma liturgia ou um ritual nas relações transcendentais entre a pessoa e Deus, estará sendo exercida a religiosidade e, quando esse ritual é compartilhado por um grupo de pessoas, estará se estabelecendo uma religião.
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O tema Transe e Possessão é abordado como se espera da ciência, deixando para profissionais de outras áreas a difícil tarefa de lidar com o sobrenatural. Em nosso meio a maioria das pessoas consideradas “em transe” não é, decididamente, portadora de alguma patologia psiquiátrica. Trata-se da influência de elementos socioculturais na representação da realidade, tratados mais adiante com o nome de Psiquiatria Transcultural.
A influência da cultura nos sentimentos, nos afetos e no comportamento não deve ser, por si só, tomada como doença mental. Se fosse assim, um cordão de carnaval, aos olhos de outra cultura, por exemplo, poderia ser tomado como um batalhão de dementes. Interessa à psicopatologia aqueles casos que comportam decididamente um diagnóstico médico e psíquico.
Psiquiatria Transcultural
Ao mesmo tempo em que se corre um risco patológico com a religião, a cultura brasileira extrai de alguns ritos e seitas extraordinários, recursos para certo equilíbrio biopsicossocial, principalmente das chamadas “camadas populares”, segundo Fernando Portela Câmara.
As seitas espiritistas, ou seja, aquelas que giram em tornos de entidades espirituais vindas do mundo dos mortos, entidades malignas e do bem, como por exemplo o espiritismo Kardecista popularmente aculturado no Brasil, também os cultos afro-brasileiros (candomblé, quimbanda, catimbó, xangô, batuque), as crenças de pajelança, paricá dos índios nativos, formam todas o elemento principal do sincretismo brasileiro que atende aqueles que buscam outras formas de ajuda, em especial a ajuda espiritual.
No ambiente brasileiro comum, cotidiano, místico e aflito ao mesmo tempo, muitas vezes a religiosidade e psicopatologia se misturam, tornando difícil estabelecer os limites entre uma e outra, onde termina a doença e começa a religiosidade, e vice-versa (Walmor Piccinini).
Sobre Psiquiatria Transcultural no Brasil o professor Rubim de Pinho disse haver muitos comportamentos, muitas reações, muitas expressões da personalidade formados à partir de certos condicionamentos culturais e o psiquiatra mal preparado pode confundir esses comportamentos com verdadeiros distúrbios mentais.
Algumas vezes a questão cultural, ou seja, a representação cultural da realidade, aproxima mais as pessoas de suas crenças que da ciência. A Psiquiatria Transcultural procura por quadros mentais específicos de determinada cultura. É o caso, por exemplo, do conceito de Quebranto, como uma influência maldosa e capaz de tornar as pessoas vitimadas por ele mais vulneráveis às doenças. Esse é o caso típico de uma representação da realidade que faz parte do cardápio cultual brasileiro.
Tem igual teor cultural outros estados doentios que acometiam escravos, índios e mesmo imigrantes em outras épocas. O Banzo, por exemplo, acometia os escravos negros trazidos da África e se caracterizava, inicialmente, por acentuada tristeza, seguida por definhamento, podendo chegar à morte por inanição e apatia extrema.
Outro exemplo de Psiquiatria Transcultural é o estudo de Rubim de Pinho, citado por Piccinini, mostrando a correspondência do Banzo dos antigos escravos, com aquilo que se chamava Síndrome de Campo de Concentração, observada por ocasião da II Guerra Mundial. Havia um estado depressivo ao qual se superpunha uma síndrome de carência alimentar, juntando ainda uma anorexia decorrente da falta de proteínas.
Cita-se ainda a questão do Mau Olhado. Provavelmente uma versão nacional daquilo que foi o Magnetismo Animal na Europa. Era uma espécie de influência magnética do olhar de determinadas pessoas resultando no comprometimento da saúde de outras. Vale ainda um outro registro de Rubim de Pinho, de interesse da Psiquiatria Transcultural, ocorrido por ocasião da I Guerra Mundial (1914-1919) com o nome de Diabo no Corpo. Tratava-se de uma condição de agitação de determinadas pessoas, sobretudo do sexo feminino, que eram levadas semanalmente à Igreja da Piedade para serem exorcizadas pelos frades capuchinhos.
Os casos de Diabo no Corpo eram o mesmo que as famigeradas epidemias de possessão das bruxas, da possessão demoníaca que a Europa assistiu durante a Idade Média. E até a presente data, dependendo da cultura da comunidade em questão, continuam existindo esses quadros de possessão, de influência maligna ou de transe.
Embora a psiquiatria seja obrigada a atribuir para todos esses quadros onde se necessitam de exorcismos um diagnóstico do Espectro Histérico, esse mesmo quadro pode acometer pessoas com quaisquer outros transtornos mentais, incluindo as psicoses. Além disso, conforme se vê em Psiquiatria Transcultural, tais rompantes de possessões podem acometer pessoas psiquicamente normais e fragilizadas emocionalmente momentaneamente.
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Segundo Câmara, “A cultura popular brasileira dispõe de um extraordinário recurso para o equilíbrio biopsicossocial de suas comunidades, ou pelo menos das chamadas “camadas populares”. Trata-se do sincretismo religioso onde as seitas espiritistas são o elemento comum desta cultura. permeando a população do país em todos os recantos.
Estas seitas são amplas e diversificadas e se incluem aqui, dentre as mais conhecidas, o espiritismo Kardecista, de origem européia mas aclimatado a cultura popular brasileira, os cultos afro-brasileiros trazidos pelos negros escravos (candomblé, quimbanda, catimbó, xangô, batuque), os dos índios nativos da terra (pagelança, paricá) e o culto brasileiro por excelência derivado de um sincretismo entre todas estas: a umbanda.
Quando estudamos todas estas seitas encontramos um fenômeno único sobre o qual assenta-se toda a diversidade dos seus rituais e crenças: o transe com possessão. Por outro lado, quando estudamos o transe ritual em nossa cultura popular, podemos aprender muita coisa e aumentar significativamente nossa comunicação com nossos paciente, muitas vezes membros ou simpatizantes destes cultos.”
Fonte: Fernando Portela Câmara, artigo: “Transe e Possessão: As Bases da Psiquiatria Transcultural Brasileira”.
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Visões, Inspirações e etc. de Origem Emocional ou Orgânica
Alguns pacientes com Epilepsia do Lóbulo Temporal ou Epilepsia do Sistema Límbico podem sofrer exóticas mudanças de personalidade, tanto sob a forma aguda, durante as crises (se houverem) ou, mais curiosamente, entre as crises ou ataques de forma crônica. Esses quadros de mudanças de personalidade se dão, comumente, como um episódio de êxtase místico, com exacerbação de preocupações religiosas, compulsão a falar ou escrever sobre temas metafísicos, orações, estados de êxtase, de graça, enfim, com manifestações de alguma espiritualidade muito bem delineada e reconhecida culturalmente.
Se as visões e alterações da personalidade forem muito evidentes nesses pacientes, recomenda-se a classificação como Transtorno Psicótico Devido a uma Condição Médica Geral (disritmia). Um transtorno com esse diagnóstico é caracterizado por alucinações ou delírios proeminentes, presumivelmente decorrentes dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral sobre o cérebro. A valoração disso como estado patológico ou místico é mais cultural que científico.
As alucinações, que são sintoma psicóticos, exceto quando culturalmente sugeridas, podem ocorrer em qualquer uma das cinco modalidades dos cinco sentidos, isto é, podem ser visuais, olfativas, gustativas, táteis ou auditivas, mas alguns fatores etiológicos tendem a provocar fenômenos alucinatórios específicos. Assim, as alucinações olfativas, especialmente aquelas envolvendo o odor de borracha queimada, enxofre ou outros cheiros desagradáveis, são altamente sugestivas de epilepsia do lobo temporal.
Os delírios, por sua vez, que são alterações do pensamento e não da sensopercepção como as alucinações, podem ser variados, incluindo os somáticos, grandiosos, religiosos e, com maior freqüência, os persecutórios. Em relação ao misticismo, as epilepsias temporais são tão cogitadas que o DSM diz, textualmente: “Os delírios religiosos têm estado especificamente associados, em alguns casos, à epilepsia do lobo temporal.”
Uma outra consideração do DSM, diz respeito à constante presença de aspectos atípicos em um Transtorno Psicótico secundário a alterações orgânicas. É atípica nesses casos, por exemplo, a idade do início das alucinações, a qual pode surgir em qualquer época da vida. Também é quase obrigatória a hipótese de Epilepsia do Lobo Temporal diante da ocorrência de alucinações olfativas e gustativas.
Na mesma linha das disritmias cerebrais (epilepsias), alguns casos de enxaqueca também podem incluir, entre seus sintomas, episódios definidos como aura, quando então são vistas luzes brilhantes muito similares às visões místicas atribuídas por alguns.
Por outro lado, a literatura psiquiátrica também descreve numerosos casos de Síndrome de Tourette, um transtorno psiconeurológico não tão raro, interpretados erroneamente como possessões do demônio, assim como pode acontecer em relação a certos casos, como a Esquizofrenia, de Transtorno Afetivo Bipolar ou mesmo de alguns Transtornos Depressivos mais graves com sintomas psicóticos. Isso tudo sem falar dos maiores clientes de espíritos e demônios: os histriônicos – em suas mais variadas apresentações.
O avanço dos conhecimentos da neurociência vem permitindo que esses pacientes possam ser tratados adequadamente, ao invés de serem considerados como iluminados, paranormais, mediúnicos ou tocados por algum espírito, superior ou inferior, dependendo das conveniências. Acontece que nem sempre há interesse cultural para que todos esses casos sejam tratados, mas essa é uma outra questão, muito extensa para a natureza dessa página.
Algumas crises neurológicas, neuropsiquiátricas ou psiquiátricas, propriamente ditas, podem se manifestar por uma sensação de horror e medo, por violentas convulsões, por lançar o enfermo ao solo, por faze-lo falar “línguas estranhas”, enfim, por sintomas culturalmente atribuídos aos demônios ou outras entidades igualmente poderosas.
O delírio, por exemplo, assim como as alucinações, ocorrem universalmente em pacientes psiquiátricos do mundo todo, assim como também é universal a teatralidade dos histriônicos ou as palavras estranhas que falam os portadores da Síndrome de Tourette e assim por diante. É a mesma coisa, por exemplo, que a manifestação universal da febre diante de uma infecção, em qualquer lugar do mundo e em qualquer povo. Não obstante, embora os sintomas básicos das doenças mentais sejam uniformes e universais, eles sofrem grande influência do contexto cultural.
Delirar e alucinar com isso ou aquilo, ou seja, determinar o tema do delírio, dependerá do conteúdo cultural de cada um. E, mesmo assim, muitos casos continuam sendo objeto de controvérsia, especialmente quando o entorno cultural da pessoa favorece a interpretação demoníaca.
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“No Brasil, as seitas espiritistas que tem um valor assistencial e psicossocial inquestionável dentro das chamadas camadas populares. Num país desassistido são estas seitas organizadas no seio do povo que desempenham o papel que o governo não consegue cumprir satisfatoriamente, até porque o modelo assistencial adotado é economicamente inviável para um país das dimensões como o nosso.
O saber psiquiátrico, como todo o saber médico em geral, é hoje essencialmente um saber acadêmico gerado em sua maior parte nos países do Primeiro Mundo, com paradigmas espelhados em sua realidades e teorias socioculturais e econômicas que influem nos modelos médicos assistenciais e nas teorias aplicadas à saúde mental. A pressão econômica destes países sobre aqueles “em desenvolvimento”, como o nosso, resulta em uma progressiva aculturação que se reflete igualmente no modelo assistencial psiquiátrico. O resultado é confusão e distanciamento cada vez maior da realidade autóctone pela oposição de dois paradigmas: o modelo psi de um saber dominante, economicamente imposto, e o modelo psi de um saber dominado, que resiste em nossa cultura popular.”
Fonte: Fernando Portela Câmara, Psiquiatria Transcultural Brasileira: Seitas Espiritistas e Saúde Mental Coletiva
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Os Transes e Possessões – Classificação
A CID.10 – Classificação Internacional das Doenças – rotulava, sob o código F44.3, o chamado Estado de Transe e de Possessão. Trata-se de um transtorno caracterizado por uma perda transitória da consciência da própria identidade, associada a uma conservação perfeita da consciência do meio ambiente. Devem ser incluídos nesse diagnóstico somente os estados de transe involuntários e não desejados, excluídos aqueles de situações compatíveis e desejadas no contexto cultural ou religioso do sujeito.
Estando a pessoa em estado de êxtase falamos em Transe de Inspiração. É o caso, por exemplo, do dom de “falar línguas estranhas”. Falar línguas estranhas, também chamado glossolalia, constituiu um elemento marcante da doutrina pentecostal, portanto, fortemente cultural.
Trata-se de uma evidência do batismo no Espírito Santo, segundo os pentecostais e alguns antropólogos classificam tal fenômeno em experiência extática, devido ao estado de êxtase, ou enlevação, portanto, como sendo um Transe de Inspiração. Diferente desse tipo de Transe de Inspiração, os fenômenos religiosos de umbanda e de candomblé são classificados como Transes de Possessão. Não vemos como atribuir alguma importância a essa distinção, enfim…
No DSM.5, classifica todos esses casos como Transtorno Dissociativo de Identidade, caracterizado pela presença de dois ou mais estados distintos de personalidade ou uma experiência de possessão e também com episódios recorrentes de aminésia. essa fragmentação da identidade pode variar entre as diversas culturas.
Esse Transtorno Dissociativo de Identidade está representado, no caso das possessões ou transes, no código 300.15, ou seja, Outro Transtorno Dissociativo Especificado e, dentro dessa classificação existe o Transe Dissociativo. Esta categoria se destina a transtornos nos quais a característica predominante é um sintoma dissociativo, isto é, uma perturbação nas funções habitualmente integradas da consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente, enfim uma manifestação histriônica. Mas não podem ser classificadas aqui as pessoas que se comportam através de práticas culturais ou religiosas amplamente coletivas. Isso é objeto da Psiquiatria Transcultural.
Os mesmos sintomas de Transe Dissociativo podem ser observados, entre outros casos, em pessoas que foram submetidas a períodos de persuasão coercitiva prolongada e intensa, como por exemplo, lavagem cerebral, reforma de pensamentos ou doutrinação em cativeiro. O DSM.5 especifica essa situação como Perturbação da Identidade devido a Persuasão Coercitiva. Outra variante desse mesmo quadro e classificado também dentro do Transtorno Dissociativo Especificado é a Reação Dissociativa Aguda a Eventos Estressantes.
Todos esses transtornos se manifestam por perturbações isoladas ou episódicas do estado de consciência, identidade ou memória, inerentes a determinados locais e culturas, subdividindo esse transtorno em dois tipos: Transe Dissociativo e Transe de Possessão.
O Transe Dissociativo envolve o estreitamento da consciência quanto ao ambiente imediato, comportamentos ou movimentos estereotipados vivenciados como estando além do controle do indivíduo. O Transe de Possessão envolve a substituição do sentimento costumeiro de identidade pessoal por uma nova identidade, atribuída à influência de um espírito, poder, divindade ou outra pessoa, e associada com movimentos estereotipados “involuntários” e/ou amnésia.
De acordo com a Psiquiatria Transcultural, o Transe de Possessão adquire colorido regional e cultural nas várias partes do mundo; amok na Indonésia, bebainan também na Indonésia, latah na Malásia, pibloktoq no Ártico, ataque de nervios na América Latina e possessão na Índia. Dificilmente encontramos correspondência cultural desses transes em países desenvolvidos, como os países nórdicos, Europa, Canadá e Estados Unidos.
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O Dom de Falar Línguas
Com freqüência tem-se visto, até em programas religiosos da televisão, fiéis tomados pelo Espírito Santo, em júbilo e êxtase, falando línguas estranhas.
Para os Pentecostais, trata-se do Batismo com Espírito Santo, ou seja, do exercício de um ou mais dons extraordinários, como por exemplo, o dom de falar em línguas estranhas. Na psiquiatria a emissão de sons desconexos leva o nome de glossolalia. E de fato, essa questão pode ser vinculada a uma problemática fundamental na constituição do sujeito humano: sua relação com a linguagem.
A aquisição da linguagem no ser humano não pode ser considerada um mero aprendizado de uma comunicação para uso imediato como ocorre com outros animais. A aquisição da linguagem é o ingresso no mundo simbólico, fato que caracteriza essencialmente o ser humano, que o distingue dos outros animais e funda sua cultura, definindo assim o limite da espécie.
Segundo Sérgio Telles (O Dom de Falar Línguas), ao nascer a criança é mergulhada no universo linguístico dos pais, num encontro definitivo e irreversível. Uma vez dentro da língua materna, a criança dela não mais poderá sair. A mãe fala e através de sua linguagem introduz a criança no mundo simbólico.
No início da vida as palavras e o discurso soarão sempre à criança como uma língua estrangeira, imposta duramente e indispensável ao estabelecimento das bases de sua sobrevivência e de sua identidade como sujeito humano. Quem fala representa para a criança quem manda, entende e domina, embora não se entenda ainda e perfeitamente o que ela fala.
Aos poucos a criança que ainda não fala ouve, absorve, apreende e adquire a fala dos adultos. Estes sons lhe parecem absolutamente desconhecidos, misteriosos, surpreendentes, enigmáticos e fascinantes (idem Telles). E esse fascínio por línguas estranhas acaba persistindo tal como uma cicatriz indelével ao longo da vida das pessoas. Nas culturas mais acanhadas o sotaque e a língua estranha adquire até uma conotação de autoridade e sedução.
Podemos supor que ao falarem “línguas”, as pessoas em transe, possuídas ou dotadas desse estado estariam psicologicamente regredidas e identificadas com a mãe, com os adultos ou com poderosos portadores da linguagem, aqueles que representavam ser os superiores na infância.
O episódio pode simbolizar aqueles momentos fundamentais do psiquismo, onde a pessoa ouvia fascinada a língua “estrangeira”, incompreensível e misteriosa, eficaz e capaz de resolver problemas, de oferecer soluções. Pode significar o encantamento da criança que ainda não fala ao se deparar com os sons do discurso dos adultos poderosos.
Quem vivenciou outrora ou ainda presencia alguma liturgia católica conduzida em latim experimenta sentimentos estranhos e poderosos. As expressões dessa língua estranha persistem ruminantemente na memória como uma espécie de patrimônio arqueológico.
Ao falar “línguas” a pessoa em transe, possuída – ou melhor, o inconsciente dessa pessoa – faz com que a palavra transcenda sua condição de signo comunicativo para representar o simbólico, para manifestar e expressar sua identificação com o superior poderoso.
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O Dom de Falar Línguas
Com freqüência tem-se visto, até em programas religiosos da televisão, fiéis tomados pelo Espírito Santo, em júbilo e êxtase, falando línguas estranhas.
Para os Pentecostais, trata-se do Batismo com Espírito Santo, ou seja, do exercício de um ou mais dons extraordinários, como por exemplo, o dom de falar em línguas estranhas. Na psiquiatria a emissão de sons desconexos leva o nome de glossolalia. E de fato, essa questão pode ser vinculada a uma problemática fundamental na constituição do sujeito humano: sua relação com a linguagem.
A aquisição da linguagem no ser humano não pode ser considerada um mero aprendizado de uma comunicação para uso imediato como ocorre com outros animais. A aquisição da linguagem é o ingresso no mundo simbólico, fato que caracteriza essencialmente o ser humano, que o distingue dos outros animais e funda sua cultura, definindo assim o limite da espécie.
Segundo Sérgio Telles (O Dom de Falar Línguas), ao nascer a criança é mergulhada no universo linguístico dos pais, num encontro definitivo e irreversível. Uma vez dentro da língua materna, a criança dela não mais poderá sair. A mãe fala e através de sua linguagem introduz a criança no mundo simbólico.
No início da vida as palavras e o discurso soarão sempre à criança como uma língua estrangeira, imposta duramente e indispensável ao estabelecimento das bases de sua sobrevivência e de sua identidade como sujeito humano. Quem fala representa para a criança quem manda, entende e domina, embora não se entenda ainda e perfeitamente o que ela fala.
Aos poucos a criança que ainda não fala ouve, absorve, apreende e adquire a fala dos adultos. Estes sons lhe parecem absolutamente desconhecidos, misteriosos, surpreendentes, enigmáticos e fascinantes (idem Telles). E esse fascínio por línguas estranhas acaba persistindo tal como uma cicatriz indelével ao longo da vida das pessoas. Nas culturas mais acanhadas o sotaque e a língua estranha adquire até uma conotação de autoridade e sedução.
Podemos supor que ao falarem “línguas”, as pessoas em transe, possuídas ou dotadas desse estado estariam psicologicamente regredidas e identificadas com a mãe, com os adultos ou com poderosos portadores da linguagem, aqueles que representavam ser os superiores na infância.
O episódio pode simbolizar aqueles momentos fundamentais do psiquismo, onde a pessoa ouvia fascinada a língua “estrangeira”, incompreensível e misteriosa, eficaz e capaz de resolver problemas, de oferecer soluções. Pode significar o encantamento da criança que ainda não fala ao se deparar com os sons do discurso dos adultos poderosos.
Quem vivenciou outrora ou ainda presencia alguma liturgia católica conduzida em latim experimenta sentimentos estranhos e poderosos. As expressões dessa língua estranha persistem ruminantemente na memória como uma espécie de patrimônio arqueológico.
Ao falar “línguas” a pessoa em transe, possuída – ou melhor, o inconsciente dessa pessoa – faz com que a palavra transcenda sua condição de signo comunicativo para representar o simbólico, para manifestar e expressar sua identificação com o superior poderoso.
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Crenças que podem ser patológicas
Embora o problema da religiosidade tenha sido sempre uma preocupação universal, desde a filosofia grega antiga até Marx, passando, por Montaigne, Spinoza, Kant, Darwim, Nietzsche e Durkheim, a psiquiatria acompanha a ideia de Feuerbach que considera a religião um reflexo de uma necessidade psicológica, individual e coletiva.
Freud também considerava o sentimento religioso uma necessidade de caráter íntimo e pessoal. De fato, a psicopatologia procura limitar a religião à sua natureza fisiológica, tal como uma necessidade psicológica conveniente e sadia. Quando adequada a religiosidade pode atender a um propósito terapêutico ou, ao contrário, se inadequada pode refletir uma situação clínica patológica, uma eventual ocorrência mórbida e regressiva.
A religiosidade e o exercício religiosos podem ser considerados normais, fisiológicos e culturalmente adequado, sempre se levando em conta algumas variáveis. Entre essas variáveis, capazes de tornar o fenômeno religioso patológico estão, por exemplo, a intensidade e grau de obsessão do pensamento místico, a noção dos limites que existem entre o pensamento mágico e o lógico, a consciência pessoal das questões da vida prática emancipadamente da influência divina, entre outras.
É objeto de preocupação da psicopatologia a possibilidade de estar havendo, por conta do pensamento religioso, uma falsificação grosseira da lógica, uma utilização mórbida de pensamentos mágicos, alguma produção de sofrimento pessoal e/ou nos demais ou uma alienação de outros princípios éticos, morais e da própria realidade.
Não há nenhum interesse da psicopatologia em avaliar clinicamente a crença em Deus, já que um de seus mais importantes princípios é o respeito à convicção e à subjetividade dos seres humanos, desde as fantasias e devaneios agradáveis à alma humana, até os princípios científicos de puro saber, o racionalismo prevalente e outras formas objetivas de lidar com a realidade.
Embora a psicopatologia deseje o uso da razão e estimule um curso, ritmo e conteúdo sadios do pensamento, por outro lado ela não pretende que a pessoa se mantenha exclusivamente atrelada nem à forma lógica, nem à forma mágica do pensamento. A psicopatologia também não preconiza que a pessoa deva rechaçar crenças que não sejam determinadas por motivos racionais, não pede também para extrair conclusões exclusivamente a partir daquilo que se pode tocar ou ver. A psicopatologia não acha sadio a pessoa permitir-se atrofiar a capacidade de fantasiar, de alimentar devaneios sadios e de consolar-se em suas próprias crenças. Isso quer dizer que o ideal do psiquismo sadio é proporcionar uma situação onde o pensamento mágico tenha convivência harmônica com o pensamento lógico.
Em nome do ser humano sadio, a psicopatologia reconhece o exercício da subjetividade e do desejo, ressaltando a importância adequada dos acontecimentos da historia pessoal e o desenvolvimento da personalidade de cada um, assim como as influências exercidas pela cultura na elaboração pessoal dos valores mágicos, éticos e morais, onde se inclui perfeitamente a religiosidade.
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Crenças patológicas, Delírios e afins
Que existem crenças alienantes e patológicas já se sabe, mas identificá-las e estabelecer relações entre essas crenças patológicas com motivos mórbidos internos e particulares de cada um tem sido uma tarefa difícil. Identificar crenças alienantes e patológicas, cuja estrutura dependa, além dos motivos mórbidos internos e particulares, também de influências patogênicas da cultura, tem sido uma tarefa mais difícil ainda.
A crença, em si, é um ato de consentimento subjetivo para uma hipótese, trata-se de uma decisão psíquica sobre alguma silhueta da verdade, portanto, crer não é a mesma coisa que saber, é sim, acreditar no saber de outro.
A crença, que pode parodiar o que se entende por fé, é a aceitação de uma verdade racionalmente improvável, ou a adesão da pessoa a uma ideia emancipada da inteligência (Tomás de Aquino). Neste sentido a crença religiosa é a mesma coisa que a fé, ou seja, é fidelidade.
Primeiramente, deve-se reconhecer existir no arbítrio humano a possibilidade de uma crença desinteressada e livre, de um tipo de pensamento mágico e, ao mesmo tempo, de uma ideia sustentada por uma espécie de “lógica” psicológica (Jung, Adler, Janet), entre aspas porque não é racional. Tal “lógica” é capaz de confortar sem, no entanto, alienar.
Esse tipo de crença ou fé não alienante é desejável, sadia e fisiológica e se constitui de pensamentos mágicos, de natureza religiosa ou não. Jogar na loteria, por exemplo, pode ser uma atitude determinada exatamente por uma crença desse tipo, que menospreza totalmente as possibilidades estatísticas racionais de investimento econômico.
Quando esse tipo de crença é impregnado de sentimento religioso a pessoa atribui um caráter místico ao ato de jogar na loteria, por exemplo; peço a Deus para ganhar na loteria. Posso estabelecer com Ele certas barganhas, promessas, agradecimentos, atitudes litúrgicas, enfim, posso sistematizar métodos que favoreçam esse canal de comunicação Deus-Eu: “- Sei que vou curar-me do câncer, pois tenho fé em Deus e, se isso acontecer, prometo nunca mais comer chocolate”.
Quando existe sistematização no exercício das crenças, ou seja, quando existe um método, uma liturgia ou um ritual nas relações transcendentais entre a pessoa e Deus, estará sendo exercida a religiosidade e, quando esse ritual é compartilhado por um grupo de pessoas, estará se estabelecendo uma religião.
O exercício do pensamento mágico, da religiosidade e, consequentemente da religião, é um atributo da pessoa política e psiquicamente livre. Psiquicamente, a pessoa sadia recorre voluntariamente, arbitrariamente e espontaneamente aos pensamentos mágicos, sejam eles simples devaneios, fantasias eróticas, de natureza metafísica, mística, ou qualquer outros.
Porém, ao mesmo tempo, a pessoa livre e sadia também é portadora de uma capacidade voluntária, arbitrária e espontânea de parar com esses pensamentos mágicos e voltar, prontamente, ao pensamento lógico indispensável à lide com a vida e com a realidade.
A pessoa psiquicamente sadia sabe, exatamente, onde começa o pensamento lógico e termina o pensamento mágico. Na doença psíquica, entretanto, fica seriamente comprometida essa consciência, sendo difícil e/ou impossível ao paciente fazer com que seu pensamento transite voluntariamente entre o mágico e o lógico e vice-versa.
Na doença psíquica o pensamento mágico ou a crença adquire características de delírio. Como pode ser visto na página sobre as Alterações do Conteúdo do Pensamento, segundo Kraepelin, delírios seriam “ideias morbidamente falseadas que não são acessíveis à correção por meio do argumento lógico”.
Bleuler, por sua vez dizia que “ideias delirantes são representações inexatas que se formaram não por uma causal insuficiência da lógica, mas por uma necessidade interior”.
Jaspers, o autor mais reconhecido internacionalmente em relação ao conceito de delírio, dizia “tratar-se de uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável, caracterizada por absoluta incompreensibilidade psicológica para o indivíduo normal, bem como, por impossibilidade de sujeitar-se a quaisquer correções, seja através da experiência ou da argumentação lógica”.
Esse assunto é por demais complicado aos olhos da psicopatologia. Mas a psicopatologia não considera as crenças ou pensamentos mágicos como se tratassem de delírios, pois os conceitos se equivalem, uma vez que em tese, poderia ser considerada mórbida a crença que fosse irremovível e que se mantivesse em total desprezo para com o pensamento lógico. O impasse está no fato culturalmente embasado de que a crença que se pretende ser fruto da fé, deve ser sempre irremovível e inabalável, senão deixaria de ser fé.
Um outro agravante curioso e incômodo é que, supondo existir alguma crença patológica, esta faria parte de alguma determinada patologia, seria um sintoma de um determinado quadro psiquiátrico. Porém, podemos constatar também que nem todas as pessoas que acreditam em alguma coisa fantástica e mágica sejam loucas e, finalmente, para complicar mais ainda, podemos constatar também que nem toda crença do louco é, necessariamente, uma coisa absurda.
Diante dessas e outras variáveis, seria mais prudente considerar que os critérios para que determinada crença pudesse ser considerada patológica, fossem os mesmos critérios necessários para o diagnóstico psiquiátrico, ou seja, o critério estatístico, valorativo e intuitivo, conforme se vê no destaque ao lado.
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O Critério Estatístico considera o que é numericamente comum, em determinada época e sociedade, como por exemplo a idiossincrasia de nossa cultura na crença em entidades do candomblé, portanto, algo estatisticamente normal ou aceitável nesse meio cultural. Acreditar nos preceitos da Santa Inquisição, da mesma forma, foi estatisticamente normal para a época em que se deu o evento.
Fenômenos como o encosto, a possessão pelo demônio ou por um espírito, muitas vezes são sintomas de transtornos emocionais mas, no contexto religioso do Brasil, a possessão e o transe são comportamentos aceitos culturalmente e raramente são vistos como sintomas de distúrbio mental. Muito pelo contrário. Situações de transe que poderiam ser consideradas doentias em algumas sociedades, podem ser consideradas dons, desejáveis.
O Critério Valorativo, por sua vez, avalia uma espécie de autenticidade necessária para que tal crença não ocasione sofrimento; nem ao crente, nem aos demais. Havendo qualquer tipo de sofrimento, consternação, constrangimento ou sentimento desagradável determinado pela crença, estará constatado seu caráter mórbido, poderá tratar-se de uma preocupação religiosa mórbida ou patológica. Em psiquiatria o sofrimento não deve ser monopólio do paciente, ou seja, havendo sofrimento nos demais, já se pode considerar o fenômeno mórbido.
O Critério Intuitivo é aquele deduzido da experiência anterior acerca do normal e do não-normal. Sabe-se, intuitivamente, quando algum pensamento, gesto, atitude e, neste caso, alguma crença, foge aos padrões do que se espera como normal. Vamos tomar como exemplo a crença de um cientista em uma partícula subatômica “quaker”, cuja existência não se confirma por constatação real mas sim, por dedução matemática e física.
Vamos tomar como outro exemplo, a crença em uma entidade etérea, o “sdruvs”, encarregada de cuidar do pensamento da humanidade, distribuindo entre os seres humanos as inspirações para os diversos tipos de pensamento, seres que inspirariam a arte, a pintura, a poesia, a magia… Independentemente da existência ou não do tal “quaker” ou do “sdruvs”, qual dos dois tipos de crença nos parece, intuitivamente, mais provável?
Os três critérios supracitados são necessários para se considerar a crença como não-normal ou mesmo patológica. Através do critério estatístico e intuitivo podemos considerar uma crença não-normal e através do valorativo, atestar se esse não-normal seria também patológico.
Há pessoas emocionalmente propícias ao desenvolvimento de crenças patológicas, sejam essas crenças elaboradas por essas próprias pessoas como uma necessidade interior de alívio para angústias e desesperos, sejam as crenças induzidas por outras pessoas.
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Na normalidade psíquica deve ha ver uma harmonia e uma delimitação precisa entre o mágico e o lógico (fig. superior). Em estados psicopatológicos tal definição fica pouco precisa (fig. do meio) ou, mais grave, totalmente inexistente (fig. inferior).
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Pensamento Mágico
O pensamento mágico quando patológico, cria também uma crença patológica. Na saúde mental os estímulos para que se desenvolva o raciocínio devem provir de fontes externas e internas. Mas o pensamento não é guiado apenas por considerações estritamente atreladas à realidade. Ele também flui motivado por estímulos interiores, abstratos e afetivos ou até instintivos. A criação humana, por exemplo, ultrapassa muitas vezes a realidade dos fatos, refletindo estados interiores variados e de enorme valor para a construção de nosso patrimônio cultural.
Voltar-se para o mundo interno significa que o pensamento se manifesta sob a forma de DEVANEIOS – uma espécie de servidão das ideias às necessidades mais íntimas, aos afetos e paixões. Enquanto há saúde mental, entretanto, os devaneios são sempre voluntários e reversíveis; eles devem ser servos e não senhores do sujeito, o qual deve ter a liberdade de desenvolve-los quando desejar e interrompe-los, também, ao seu gosto.
Em estados doentios esses devaneios ou fugas da realidade são emancipados da vontade, são impostas ao indivíduo de forma absoluta e tirânica. Parece tratar-se de um desprezo da realidade e criação de uma realidade nova imposta involuntariamente e da qual não consegue libertar-se.
A própria concepção da realidade pode sofrer alterações nos transtornos psíquicos. Em determinados estados a concepção da realidade pode sofrer alterações de natureza bioquímica, funcional ou anatômica. Outras vezes ainda, estados de natureza exclusivamente psicopatológica também podem contribuir para que a realidade seja alterada. É assim que fatores afetivos, emocionais ou psíquicos podem deturpar o senso de realidade, proporcionando uma concepção do mundo determinada exclusivamente pelas necessidades interiores e não mais pela lógica comum.
O pensamento que se afasta da realidade morbidamente chama-se Pensamento Derreísta em oposição ao Pensamento Realista, atrelado à realidade. Falamos “se afasta morbidamente da realidade” porque esse tipo de pensamento não depende mais do arbítrio que as pessoas normais têm em fantasiar e voltar à realidade voluntariamente. O Pensamento Derreísta devaneia obrigatoriamente, negando ao paciente o entendimento dos limites da fantasia e da realidade.
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Muito racional também pode ser doença
Na questão dos pensamentos, como em todas as outras, os extremos são problemáticos, ou seja, não deve ser exclusivo nem o pensamento mágico, nem o lógico. Para aqueles que acreditam ser normal e desejável ter os pensamentos exclusivamente atrelados ao concreto e ao real, lembramos que essa limitação também pode ser patológica. A incapacidade de afastar-se daquilo que é absolutamente concreto, leva o nome de Concretismo, que também é uma alteração da forma do pensamento.
De forma mais prática e didática, podemos considerar o Pensamento Derreísta como sendo uma espécie de Pensamento Mágico, e o Pensamento Realista como sendo o Pensamento Lógico. É absolutamente normal a pessoa ter esses dois tipos de pensamentos, simultânea e harmonicamente, valendo-se de cada um deles de acordo com suas necessidades adaptativas.
Para resolver as necessidades práticas cotidianas a pessoa se vale do Pensamento Lógico (realista); calcula, lida com dinheiro, planeja seu dia, prioriza atividades, dirige de acordo com as normas, comporta-se com sensatez, lógica e discernimento.
Diante das necessidades interiores os Pensamentos Mágicos são mais lenitivos. Através deles a pessoa faz suas orações, nutre seus desejos e esperanças, aposta na loteria, evita passar debaixo de uma escada, acredita em seus deuses, fala da sorte ou do azar, enfim, devaneia. E normalmente esses devaneios obedecem às normas da cultura, ao menos em boa parte deles.
De modo geral, quanto maiores as angústias, mais se recorrem aos Pensamentos Mágicos. Isso ocorre fisiologicamente nas pessoas normais, porém, diante de situações psíquicas patológicas, a “opção” para o Pensamento Mágico pode se tornar absolutamente impositiva.
A predileção pelo Pensamento Mágico pode se dar em vários graus; desde uma simples crença até o delírio franco, passando pela fé, pelas ideias supervalorizadas e pelo fanatismo. Isso significa que a simples crença pode privilegiar a Mágica sobre a Lógica discretamente, sendo possível sair do mágico para o lógico com facilidade. No delírio, porém, há um grau maior de submissão da lógica ao mágico, tornando basicamente impossível o retorno voluntário ao Pensamento Lógico.
Então, para saber se a pessoa está totalmente, parcialmente ou ligeiramente submissa aos seus Pensamentos Mágicos, devemos saber se essa pessoa tem ou não delírios. Os delírios são os mais graves causadores da soberania do Pensamento Mágico. É a psicopatologia quem estuda as patologias que originam delírios, consequentemente, que causam o domínio absoluto da mágica sobre o lógico.
Nas Esquizofrenias, por exemplo, a pessoa perde totalmente os limites entre o mágico e o lógico através de seus delírios. De modo geral, qualquer patologia mental capaz de produzir delírios subjuga a lógica, privilegiando morbidamente a mágica.
A Psiquiatria Transcultural se preocupa em saber diferenciar a sugestionabilidade determinada por razões culturais do delírio, ou seja, diferenciar a pessoa que se sente possuída por entidade espiritual durante um culto religioso de um delírio. Durante um culto religioso, a pessoa vivencia um entorno místico, podendo ser induzida a aderir a algum tipo de Pensamento Mágico, cujo conteúdo não será totalmente estranho à outras pessoas que comungam a mesma crença ou o mesmo espaço cultural.
A grande habilidade de alguns líderes religiosos, que às vezes erram, como erram também os médicos, é saber diferenciar os casos que comportam um tratamento médico, aplicado pela medicina formal, dos casos sensíveis aos tratamentos informais, como por exemplo, espirituais. Talvez seja essa questão, eminentemente cultural, que proporciona a maior diferença entre o tratamento da doença e o tratamento da pessoa. E, de fato, algumas pessoas podem ser beneficiadas mais com os tratamentos populares e religiosos do que com os tratamentos médicos.
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Fanatismo e Crença Exagerada
Uma das variantes benignas das Ideias Deliróides são as chamadas Ideias Supervalorizadas, Superestimadas ou Sobrevalentes, todos sinônimos e sinônimos também de Fanatismo ou de Crença Exagerada.
Essas ideias costumam ser errôneas por supervalorização emocional ou psicológica de algum tema, seja político, ideológico, sobrenatural, extraterrestre, religioso, etc., e podem ser igualmente observadas até mesmo em indivíduos psiquicamente normais. Portanto, é muitíssimo necessário ressalvar, que nem toda Ideia Supervalorizada é forçosamente errônea, do ponto de vista lógico e racional, mas é sim, supervalorizada.
As ideias contidas, por exemplo, nos códigos jurídicos, morais, sociais, religiosos podem se incluir, sem dúvida, na categoria de Ideias Supervalorizadas, embora não sejam obrigatoriamente errôneas. Os enamorados, os cientistas, os magistrados, os sacerdotes e afins, também cultivam ideias superestimadas afetivamente, respectivamente com respeito ao seu amor, à pesquisa científica, à jurisprudência e aos dogmas que obedecem.
As Ideias Supervalorizadas mais contundentes e exuberantes espelham fielmente aquilo que entendemos por sectarismo e fanatismo. Trata-se da adesão afetiva incondicional e a qualquer preço a certas ideias prevalentes. O que importa a esse respeito é saber que ideias errôneas por superestimação afetiva, ou Ideias Supervalorizadas, representam uma variedade atenuada das Ideias Deliróides, e podem corresponder, no mais das vezes, a predisposições problemáticas da personalidade.
As Ideias Supervalorizadas ou Crenças Exageradas não são Delírios, apesar de muitos delírios se manifestarem por fanatismo e nem Ideias Deliróides. Para realçar as diferenças, existem vários outros sinais e sintomas que devem acompanhar Delírios e Ideias Deliróides e que não acompanham as Crenças Exageradas. Logo, por definição, essas Crenças Exageradas devem estar sujeitas, mais ou menos facilmente, ao arbítrio ou vontade.
Um exemplo de Ideias Supervalorizadas é a consideração eugênica do nazismo, a concepção política do comunismo, a vocação para assuntos esotéricos, o fanatismo religioso, etc.
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Ideias Deliróide e crenças
Os sentimentos de transe e possessão não podem ser considerados delírios, muito embora possam estar emancipados da realidade lógica. Sabendo que o delírio é monopólio de transtornos emocionais muito sérios, como exemplo as psicoses, é claro que não podemos atribuir o diagnóstico de delírio a todas pessoas que “se deixam” possuir em cultos religiosos.
Mas essas pessoas, as possuídas, não estão livres de preencherem os requisitos para as chamadas Ideias Deliróides. Nas Ideias Deliróides as experiências são assimiladas e a imagem do mundo exterior fornecida pela razão é falsificada, de acordo com as necessidades afetivas e com a fragilidade emocional.
O raciocínio que caracteriza a Ideia Deliróide é bastante similar ao do Pensamento Mágico normal e que todos nós utilizamos em grau muito menor. A Ideia Deliróide é como se tratasse de um Pensamento Mágico mais patológico, porém, não ainda doentio e compreensível à maioria das pessoas normais.
As Ideias Deliróides aparecem em certas pessoas como tentativas (patológicas) de manipular os problemas e as tensões da vida. Tratam-se de fantasias elaboradas para fornecer aquilo que a vida real nega, entretanto, devido ao seu aspecto patológico, essas fantasias não são compatíveis com uma adaptação social normal.
Uma pessoa com marcante e desmedida ambição para o poder, por exemplo, dependendo da estrutura de sua personalidade, pode apresentar uma Ideia Deliróide acreditando e fazendo outros acreditarem, ser uma pessoa ungida por Deus, logo com poderes e ascensão sobre os demais. Outro exemplo seria de uma pessoa sexualmente muito ativa que vivesse em uma sociedade contendora, daria vazão à sua sexualidade acreditando ser possuída por uma entidade espiritual permissiva, tipo “pomba gira”.
Portanto, a direção e os temas das Ideias Deliróides podem ser desenhados pelas necessidades íntimas do paciente, revelando sempre aspectos significativos dos problemas pessoais. As fontes desses problemas podem ser encontradas frequentemente em inclinações e impulsos contrariados, esperanças frustradas, sentimentos de inferioridade, inadequações biológicas, qualidades rejeitadas, desejos importunantes, sentimentos de culpa e outras situações que exigem uma defesa contra a angústia.
Uma profunda necessidade de consolo pode ser satisfeita por Ideias Deliróides auto-elogiosas, assim como Ideias Deliróides de grandeza podem refletir uma defesa contra sentimentos de inferioridade.
Para a formação de Ideias Deliróides são necessários alguns elementos favorecedores. Primeiro, uma personalidade prévia vulnerável e problemática, seja por traços de marcante histrionismo, de extrema sensibilidade afetiva, de paranoia, ou menos comumente, de uma personalidade prejudicada por problemas funcionais cerebrais.
Em segundo, há necessidade de uma situação emocional frágil, problemática e vulnerável. Em terceiro, precisa-se de um ambiente cultural que ofereça o tema e o script daquilo que pode e deve ser fantasiado.
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Sugestão e Autossugestão
Foi considerado acima a possibilidade da pessoa com sintomas de transe e possessão ser portadora de um quadro delirante, em menor porcentagem e, não sendo isso, de ser ainda portadora de uma Ideia Deliróide, bem mais freqüente. Entretanto, para a grande maioria dos casos de transe e possessão em nosso meio, não há evidência de nenhuma grave patologia psiquiátrica capaz de produzir delírios, nem um transtorno emocional sério o suficiente para Ideias Deliróides.
Para a maioria das pessoas com sintomas de transe e possessão temos que pensar nos casos de sugestão, autossugestão e crença exagerada (patológica?), tudo isso se constituindo em fenômenos observados nas influências espirituais teatrais dos cultos e religiões.
A pessoa que vivencia uma realidade diferente e estimulada por outra pessoa pode ser sugestionada ou influenciada. Em termos gerais, todos nós somos sugestionáveis em algum grau e isso equivale a dizer que o ser humano é, essencialmente, um imitador.
A força de persuasão da moda, por exemplo, é incontestável e a própria propaganda e marketing só se viabilizam tomando por base a sugestionabilidade humana. Mas a sugestão não tem nada a ver com o Delírio e com as Ideias Deliróides. Nessas duas situações patológicas a liberdade de poder deixar de lado o Pensamento Mágico e reassumir voluntariamente o Pensamento Lógico deixa de ser determinado pela vontade. Na sugestão, por sua vez, dependendo de sua força e penetrância, com maior ou menor facilidade, será possível abandonar esse tipo de pensamento mágico e voltar à realidade.
Pessoas podem causar sugestões em outras, assim como ambientes também podem influir. Vejamos, por exemplo, as influências sugestivas do ambiente hospitalar, carnavalesco, militar, musical e, evidentemente, religioso.
Assim como as forças sugestivas têm vários graus de penetrância, indo da simples propaganda à lavagem cerebral, as pessoas também possuem graus variados de sugestionabilidade, desde o normal até o altamente sugestionável, esse último representado pelas personalidades mais histriônicas.
O sucesso da sugestão está no fato de se tratar de um apelo dirigido ao sentimento e às emoções, mais do que à razão. E a sugestão será tão mais forte quanto mais atender às necessidades emocionais. Mas, seja qual for o grau de sugestionabilidade ou de influência, como não se trata de Delírio nem de Ideia Deliróide, será mais possível reassumir o Pensamento Realístico através da vontade.
Não podemos aceitar com naturalidade a afirmativa “não consigo” externada por parte dos pacientes que devaneiam. Diante disso temos duas opções: ou de fato ele não consegue deixar os Pensamentos Mágicos voluntariamente por se tratar de um Delírio ou Ideia Deliróide e não mais de uma sugestão e, neste caso deverá ter, obrigatoriamente, outros dados clínicos de alguma patologia, ou será mesmo uma sugestão e a pessoa conseguirá sim se desvencilhar dos Pensamentos Mágicos, independente de afirmar que não consegue.
A Autossugestão é a mesma coisa que a Sugestão, porém, tendo como mola propulsora os elementos psíquicos internos, motivados por valores culturais somados às necessidades emocionais, e não apenas elementos externos, sugeridos por outras pessoas.
Casos de Sugestão e Autossugestão podem ser representados por pessoas que perdem o sossego porque viram vultos no quarto, que ficam apavoradas com o aparecimento de feitiço na frente da casa, que sentem calafrios e perturbações depois de visitarem um terreiro de umbanda. Outras vezes, são pessoas que se julgam muito doentes e que melhoraram sensivelmente quando o último exame médico apresentou resultado negativo, pessoas que se curam depois de benzimentos e simpatias, e assim por diante.
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As Seitas
O problema das crenças, seitas ou religiões como vê Fusswerk-Fursay (1975, 1980), resvala tanto no ponto de vista filosófico, como no ponto de vista psicopatológico, já que a saúde psíquica implica em um trânsito livre entre o conhecimento e a fé, entre a objetividade e subjetividade, entre a dúvida e a certeza. Uma das funções fundamentais do ser humano é a sublime capacidade de crer, inclusive como uma das condições de nossa própria sobrevivência e desenvolvimento.
A crença será sempre um risco, uma submissão de nosso conhecimento em favor do desconhecido do outro, será a disponibilidade ou credibilidade de um em aceitar a convicção ou o discurso do outro. As seitas que proporcionam uma espécie de “controle mental”, ou seja, que proporcionam uma contaminação por fanatismo estariam promovendo algum tipo de sofrimento, de angústia, de perda da liberdade, seja no crente ou nos demais.
Supondo verdadeiro o fato das pessoas procurarem apoio religioso proporcionalmente à angústia que as aflige, algumas seitas têm uma clientela garantida pelas mazelas do cotidiano, pelos sofrimentos emocionais ou pela angústia existencial, cada vez mais comum em nosso meio.
Essas pessoas angustiadas ou que tenham alguma fragilidade emocional são as prováveis predispostas a deixarem se influenciar pelas crenças e seitas esdrúxulas. E não faltam religiões que tentam tornar a vida mais compreensível e suportável, auxiliando as pessoas a se orientarem dentro de seus contextos problemáticos, recorrendo a toda sorte de demônios e mandingas, enaltecendo a crença no mau-olhado, encosto, etc.
O aspecto mórbido ou patológico dessas crenças está no sofrimento causado pela falsa esperança, na expectativa frustra e mesmo protelação de tratamentos médicos necessários. Um dos perigos mais contundentes desses Cultos de Aflição é tentar alterar, para a pessoa, o significado de algum sintoma ou alguma doença, minimizando indevidamente uma depressão grave, uma esquizofrenia, etc.
Esses cultos costumam ter um cardápio das especialidades terapêuticas da igreja conforme o dia da semana; às segunda, retirada de encostos, às terça, doenças incuráveis, às quartas dificuldades financeiras e assim por diante (Mariano, 2001).
Mesmo assim, não é lícito considerar-se unicamente a eventual patologia das religiões reconhecendo esta ou aquela seita como doentia, mas podemos sim examinar os caracteres gerais da crença e do comportamento do religioso. O comportamento religioso se determina pela fé e se expressa por um rito, por uma liturgia que congrega em torno de si uma comunidade, cuja finalidade é sustentar essa mesma comunidade religiosa em sua relação pessoal com Deus.
Assim sendo, existem alguns comportamentos religiosos (liturgias) comuns à quase todas religiões, como por exemplo, a oferenda, o sacrifício e a purificação. Principalmente nas religiões proféticas e monoteístas, como é o caso do judaísmo, cristianismo e islamismo, a liturgia visa estabelecer algum vínculo entre o Deus transcendente e o homem pecador. Em geral o estigma do homem religioso é aquele “justo” e que “teme a Deus”, que descobre sua falta e se arrepende, é um pecador que receberá o perdão.
Cientificamente, entretanto, não podemos considerar uma religião ou seita patológica, ainda que seja demasiadamente esdrúxula em seus cultos e liturgias. Trata-se de uma questão lógica, pois a patologia é um atributo das pessoas e não das associações, seitas, agremiações, no entanto, podemos dizer que existem algumas seitas ou religiões não patológicas e sim patogênicas, ou seja, capazes de desencadear ou agravar quadros psicopatológicos em pessoas predispostas ou circunstancialmente vulneráveis.
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Os Cultos da Aflição
Redko entende os Cultos de Aflição, como aquele para o qual se dirigem pessoas aflitas e em busca da resolução de problemas concretos do cotidiano. Com esse enfoque a religiosidade é usada para resolver problemas que dizem respeito a doenças, dificuldades amorosas, financeiras e problemas familiares (Alguns Idiomas Religiosos de Aflição no Brasil – Cristina Pozzi Redko).
De acordo com a angústia que aflige as pessoas os Cultos da Aflição têm clientela garantida pelas mazelas do cotidiano, pelos sofrimentos emocionais ou angústia existencial. E assim, muitos recorrem às religiões tentando tornar a vida mais compreensível, suportável e se orientando dentro de seus contextos problemáticos.
Os problemas de saúde em primeiro lugar, seguido por problemas econômicos e sentimentais, constituem a parte mais expressiva da aflição que leva as pessoas a procurarem uma ajuda religiosa. E essa procura será tão maior quanto mais incômodos forem os problemas e quanto mais escassas forem as condições tradicionais para resolvê-los.
Normalmente a religião motiva as pessoas a procurarem ajuda por causa de suas representações mágicas. Há ainda um elemento facilitador que é concepção cultural da existência de dois tipos de doenças; as do corpo e, desafiando qualquer avanço científico, aquelas do espírito. A religião, de modo geral, se ocupa do segundo tipo.
A doença espiritual é mais conhecida em nosso meio como “encosto”, algo causado por um espírito naturalmente mau ou uma “obsessão”, causada por um espírito obsessor, entenda-se como quiser. Entretanto esta distinção é muito sutil, na medida em que as doenças materiais de difícil solução médica podem passar, repentinamente, a ser consideradas agravadas por elementos espirituais.
Ora, para essa população que sente as agruras da vida através da magia de seus corpos, não basta a medicina. Há que se recorrer ao arsenal espiritualizado. Os sofredores constituem-se em um grupo de Aflitos, procurando seitas e igrejas que prontamente atendem seus reclamos. O exótico e exuberante culto pentecostal atende a todos.
Durante os Cultos de Aflição essas igrejas dedicam grandes esforços para retirar encostos, desfazer a inveja e o olho-grande, libertar pessoas da feitiçaria, dos despachos de macumba, das possessões por orixás, guias e espíritos. Alguns folhetos chegam a ponto de trazerem uma lista de indicações ao alcance dos trabalhos de seus os cultos, tais como problemas de desemprego, sentimental, financeiro, vícios, enfermidades, nervosismo, depressão, ouvir vozes, ver vultos, questões familiares e dispõem de especialidades terapêuticas conforme o dia da semana (Neopentecostais; Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil – Ricardo Mariano, Editora Loyola).
Um dos perigos mais contundentes desses Cultos de Aflição é tentar alterar o significado de alguma doença para aquele que a está sofrendo. Mas os rituais não implicam, obrigatoriamente, na remoção definitiva dos sintomas, mas na mudança dos significados que a pessoa atribui a esses sintomas ou ainda a uma alteração em seu estilo de vida, protelando perigosamente um tratamento médico adequado.
Fenômenos como o encosto, a possessão pelo demônio ou por um espírito, muitas vezes são sintomas de transtornos emocionais mas, no contexto religioso do Brasil, a possessão e o transe são comportamentos culturalmente aceitos e raramente vistos como sintomas de distúrbio mental.
Muitas doenças curadas nesses Cultos de Aflição são causadas, segundo seus embasamentos teológicos, pelo mal-olhado, feitiço, coisa-feita, bruxaria, macumba ou coisa que o valha. O próprio catolicismo popular é muito flexível, tolerante e receptivo a essas idéias, pois, compartilha a crença nos espíritos, na eterna luta entre Deus e o diabo e na possibilidade ser possuído por ele.
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Conversão e dons
Enquanto na terminologia psiquiátrica conversão significa a passagem ou o salto de um conteúdo psíquico para o orgânico, quadro que faz parte do espectro histérico ou histriônico, em religião conversão significa uma grande mudança na atitude cognitiva da pessoa.
Após a conversão as pessoas percebem-se a si mesmas como mudadas em pelo menos dois diferentes aspectos: em seus traços de personalidade (temperamento por exemplo) e na própria identidade social, incluindo vínculos comunitários, sentimentos de pertinência, de papéis desempenhados, percepções do mundo, etc. (Hulda Stadtler).
Entre as mudanças cognitivas operadas na conversão destacam-se as concepções de si mesmo e a aquisição de um novo sistema cognitivo. Entre as alterações da concepção de si mesmo ou da reavaliação do “estar-no-mundo”, o Pentecostalismo descortina para a pessoa a possibilidade de se tornar um membro especial do povo de Deus com a consequente reestruturação cognitiva.
Segundo Hulda Stadtler, em sua tese “Conversão ao pentecostalismo e alterações cognitivas e de identidade”, o Pentecostalismo gera mudanças em todos os aspectos das vidas das pessoas e essas mudanças são valorizadas positivamente tanto pelos convertidos quanto pelos outros.
Existem, de acordo com os dois principais modelos religiosos de nosso meio, duas explicações para as mudanças da personalidade na conversão. Para os católicos carismáticos, as alterações seriam o resultado do abandono de comportamentos prévios pela intervenção direta do Espírito Santo. Para os evangélicos pentecostais a conversão seria a adoção de um modelo de personalidade e comportamento do próprio Cristo.
Na igreja católica o Pentecostalismo às vezes é chamado de movimento carismático, devido ao fato de dar ênfase à suposta continuação do charismata milagroso ou dons. Haveria dois tipos de dons, mencionados no Novo Testamento: há os dons chamados ordinários e os dons extraordinários.
Os dons chamados ordinários levam esse nome porque Deus, ordinariamente, os dá às pessoas em todos os tempos, tais como a fé, a esperança e a caridade. Os dons extraordinários são sobrenaturais e permitem às pessoas que os possuem executar ações sobrenaturais.
A sociedade tem momentos históricos e circunstâncias que induzem diferentes comportamentos, atitudes e desempenho de seus membros. Autoflagelações, jejuns prolongados, danças que se prolongam até a exaustão, enfim, a sociedade costuma estimular determinados modelos de comportamento e certas sugestões de suas massas. Por isso é por demais desejável que o psiquiatra tenha sensibilidade suficiente para distinguir comportamentos e reações impregnados de agravantes e determinantes culturais das doenças mentais francas.
O psiquiatra e/ou profissional da área deve estar atento para diferenciar o que é interferência da cultura no comportamento e na atitude da pessoa e o que é manifestação de um processo doentio. Por conta disso, Rubim de Pinho chega a desejar que os psiquiatras brasileiros, e baianos em particular, tivessem a capacidade que têm as mães-de-santo mais hábeis e que têm certos líderes espíritas para diferenciar os fenômenos que eles percebem ser religiosos ou culturais daqueles que, sem dúvida, são descritos pela psiquiatria tradicional.
Para os casos de conduta exuberante comuns nos cultos espiritualizados dá-se o nome de Fenômenos Protoplásticos. Tal fenômeno significa estar havendo alterações da normalidade (não-normal estatisticamente), porém, não sendo possível constatar alguma doença franca, isto é, existe uma alteração não mórbida como ocorreria no processo francamente patológico.
Ballone GJ – Violência da Criança e Adolescente – in. PsiqWeb, Internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br/ revisto em 2015.
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Bibliografia
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