Para entender o significado da Paixão é indispensável comentar antes o significado das inclinações.

As inclinações são movimentos afetivos involuntários, duráveis, contínuos, persistentes, em direção a determinado objeto. Esses movimentos de apetite seletivo emergem de disposições extra-conscientes, isto é, das tendências instintivo-afetivas latentes, as quais lhes dão força, sentido e unidade dinâmica, com ou sem repercussões sobre a motilidade e a conduta.

São diferentes das ações impulsivas incoercíveis e das atividades instintivas brutas por comportarem, as inclinações, certa representação na consciência e por suportarem mais eficazmente esforços de contenção de suas manifestações.

O termo Paixão, como se fosse o outro lado da moeda das inclinações, designa um estado afetivo mais agudo, absorvente e tiranizante que estas. A Paixão polariza a vida psíquica do indivíduo na direção de um objeto único, o qual passa a monopolizar os pensamentos e as ações, com ex-clusão ou detrimento de tudo mais. As inclinações e as paixões procedem da mesma esfera de tendências instintivo-afetivas, que formam a base da organização biopsicológica do ser humano.

Outra maneira de considerarmos a paixão é quando consideramos o ser humano enquanto espírito unido a um corpo. Aí somos obrigados a levar em conta as paixões, isto é, a afetividade em sentido mais amplo.

Paixão é, para Descartes, tudo o que o corpo determina na alma. E ele, que nada tem de asceta, acha que devemos antes dominá-las do que desenvolvê-las. Isso porque ele se coloca do ponto de vista da felicidade. O bom funcionamento do corpo, as ligações harmoniosas entre os espí-ritos animais e os pensamentos humanos são altamente desejáveis. A moral surge, então, como uma técnica de felicidade e, nessa técnica, a medicina desempenha importante papel. A moral surge aqui como uma aplicação direta ao mecanicismo cartesiano.

Desde Aristóteles, vários pensadores ressaltaram o caráter de passividade e submissão da pessoa às suas paixões e inclinações, quase sempre tidas por nocivas ou perigosas à razão, e contra as quais pouco se podia apelar através do autodomínio individual. Em oposição a isso, Santo Tomás encarecia a necessidade e possibilidade do ser humano derivar suas paixões para objetos bons e dignos.

Não obstante a opinião de Santo Tomás, Spinoza, Rousseau, Montaigne também viam nas paixões, apetites cegos e indomáveis, que entravam e perturbavam o entendimento, a reflexão, o raciocínio e o julgamento, arrastando o homem à violência, aos desregramentos, fanatismos, sectarismos e despotismos, com todas as suas conseqüências.

Perceber a realidade exatamente como ela é tem sido uma tarefa totalmente impossível para o ser humano. Nós nos aproximamos variavelmente da realidade, de acordo com nossas paixões, nossos interesses, nossas crenças, nosso acervo cultural, etc. Algumas atitudes mentais favorecem um contacto mais íntimo com a realidade, outras afastam deste contacto. Será muito difícil para uma pessoa perdidamente apaixonada, elaborar um correto julgamento acerca da personalidade de quem ama.

Normalmente, nestes casos, a força da Paixão turva a avaliação do objeto amado. Da mesma forma, a realidade que um botânico experimenta diante de uma orquídea certamente será diferente da realidade experimentada pelo poeta diante da mesma orquídea. A realidade do indígena é plena de determinados deuses ausentes na nossa, assim como nossos micróbios não participam da realidade deles e assim por diante.