Neurose de Transferência é um termo bifronte que Freud introduziu em dois trabalhos perduráveis de 1914. Em “Recuerdo, repetición y elaboración“, o define como um conceito técnico, por assinalar uma modalidade especial do desenvolvimento do tratamento psicanalítico e, segundo essa modalidade, a enfermidade originária se transforma em uma nova que se canaliza para o terapeuta e para a terapia.
Em “Introdución del narcisismo“, ao contrário, neurose de transferência se contrapõe à neurose narcisística e é, portanto, um conceito psicopatológico.
Os dois significados do termo não são discriminados em geral, entre outras razões porque o próprio Freud pensou sempre que as neuroses narcisísticas careciam de capacidade de transferência e ficavam, portanto, fora dos alcances do seu método.
Se procurarmos ser precisos, no entanto, o que Freud afirma em “Recuerdo, repetición y elaboración” é que, com o começo do tratamento, a enfermidade sofre um giro notável que cristaliza no próprio tratamento. Diz Freud em seu ensaio: “Vemos claramente que a enfermidade do analisado não pode cessar com o começo da análise, e que não devemos tratá-la como um fato histórico, mas como potência atual. Pouco a pouco, vamos atraindo à nós cada um dos elementos dessa enfermidade e fazendo-os entrar no campo de ação do tratamento e, enquanto o enfermo os vai vivendo como algo real, nós vamos praticando neles nosso trabalho terapêutico, que consiste, sobre tudo, na referência ao passado.”
Adiantando o mesmo conceito, já em 1905 havia dito no “Epílogo de Dora“: “Durante um tratamento psicanalítico, se interrompe regularmente a produção de sintomas. Porém, a produtividade da neurose não se extingue com ele, mas atua na criação de uma ordem especial de produtos mentais, inconscientes na sua maior parte, ao que podemos dar o nome de transferências“. Dessas citações se desprende claramente, a meu ver, que Freud concebe a neurose de transferência como um efeito especial do início do tratamento psicanalítico em que cessa a produção de novos sintomas e surgem em substituição a eles outros novos que convergem para o analista e seu ambiente.
Quem melhor definiu a neurose de transferência em sua vertente técnica foi Melanie Klien, no Simpósio sobre Análise Infantil de 1927. Destaca neste simpósio, com veemência, que, se extinguirmos o método freudiano de respeitar o setting analítico e respondermos ao material da criança com interpretações, prescindindo de toda a medida pedagógica, a situação analítica se estabelece igual (ou melhor) que no adulto, e a neurose de transferência, que constitui o âmbito natural de nosso trabalho, se desenvolve plenamente. Com certeza, naquele momento, Klein falava de Neurose de Transferência, porque ainda não sabia que nos anos seguintes, e em boa parte graças ao seu próprio esforço, o fenômeno psicótico em particular e o narcisismo em geral iam se incorporar ao campo operativo do método psicanalítico.
Vale a pena transcrever aqui as afirmações rotundas de Melanie Klein: “Em minha experiência, aparece nas crianças uma plena neurose de transferência, de maneira análoga como surge nos adultos. Quando analiso crianças, observo que seus sintomas mudam, que se acentuam ou diminuem de acordo com a situação analítica. Observo nelas a abreação de afetos em estreita conexão” com o progresso do trabalho em relação a mim. Observo que surge angústia e que as reações da criança são resolvidas no terreno analítico.
Pais que observam seus filhos cuidadosamente com freqüência me contam que se surpreendem ao ver reaparecer hábitos, etc., que haviam desaparecido há muito tempo. Não encontrei crianças que expressem suas reações quando estão em sua casa da mesma maneira que quando estão comigo: em sua maior parte reservam a descarga para a sessão analítica.
Certamente, ocorre que às vezes, quando estão emergindo violentamente afetos muito poderosos, algo da perturbação se torna chamativo para os que rodeiam a criança, mas isso só é temporário e tampouco pode ser evitado na análise de adultos.